Dizemos que a vida é feita de escolhas. E essas escolhas são impactadas pelo tempo. Pelo passado, presente e futuro. Numa era de grande transformação, porventura a variável mais relevante da mesma é o seu ritmo e aceleração.
Comecemos pelas crianças e jovens. Segundo alguns estudos publicados na última edição da revista Courier, “os adolescentes conseguem concentrar-se durante 8 segundos e têm 5 ecrãs abertos em simultâneo”. Tal comportamento está relacionado com o FOMO (ou Fear of Missing Out) que designa o receio de perder algo que está a acontecer no momento presente. E esse sentimento não é exclusivo aos mais jovens. Segundo um artigo da Boston Magazine, já em 2014, 70% dos adultos em países desenvolvidos sentiam FOMO.
E se no início do século XXI, nos perguntassem qual o dispositivo que mais utilizamos ou sentimos falta, possivelmente diríamos a televisão. Hoje em dia, a resposta é unânime. Seria o telemóvel. A necessidade de estar sempre conectados é algo inerente aos dias de hoje, e é bem provável que alguns dos nossos contatos fiquem zangados se não respondermos a mensagens de imediato. É bem provável até, que em situações em que não devamos utilizar o telemóvel, como dentro do carro, sintamos que não estamos a preencher o momento da melhor forma. Não pretendo apresentar lições sobre produtividade e sobre quantas vezes paramos o trabalho para responder a mensagens ou emails, vou antes debruçar-me sobre a importância do tempo, nas mais variadas áreas da vida em sociedade.
Segundo a mesma edição da já referida revista Courier, a nossa estrutura temporal diária remonta ao período da Revolução Industrial, sendo que “um dia é pontuado por períodos de 4 horas e de 90 minutos”. Ao longo da minha vida, vivi em 4 continentes e 9 países diferentes (Portugal, Espanha, Alemanha, França, Reino Unido, Angola, República Dominicana, Malásia, Hong Kong). Em cada país, região e cultura, a percepção de tempo e da sua importância é muito diferente. Seja pelo fuso horário (lembro-me das chamadas entre Europa e Ásia para alinhamento de trabalho das equipas), seja por questões religiosas (lembro-me do período do Ramadão na Malásia), ou por questões culturais (lembro-me da pontualidade Britânica). A compreensão sobre a cultura e a noção de tempo é extremamente importante, para pensarmos criticamente sobre o que faz a diferença nas nossas vidas durante as 24 horas que temos disponíveis. E aí as respostas podem ser as mais variadas. Sejam as pausas revigorantes para café a meio da manhã, o ginásio à hora de almoço, ou a possibilidade de ir às compras depois das 20h porque as lojas ainda estão abertas (o que acontece raramente por exemplo na Alemanha). Por outro lado, há civilizações pelo mundo fora em que, por vezes, dizemos que ficaram paradas no tempo. Se virmos a coisa por outro prisma, podemos ver que há um notório respeito pelo tempo e dos seus ciclos, no que toca a atividades tão importantes como a agricultura ou a pesca, do nascer ao raiar do sol.
O tempo é, de facto, uma variável fundamental nas mais variadas esferas das nossas vidas: na saúde, onde um estudo produzido pelo Sistema Nacional de Saúde Inglês (NHS), provou que trabalhadores por turnos têm uma maior propensão para diabetes, obesidade e tabaco; no amor, onde à rapidez de um swipe no Tinder acedemos a múltiplos perfis que nos podem dar um match e acelerar a nossa felicidade (ou angústia, dependendo dos casos); ou até na política, onde há cerca de 1 ano, o alinhamento de horas entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte funcionou como o “primeiro sinal prático” do processo de paz entre os 2 países que anteriormente tinham uma diferença de meia hora como herança da história colonial e política.
Se pensarmos ainda na ligação entre o espaço e o tempo, também o clima e as condições atmosféricas são variáveis essenciais no nosso ritmo diário, seja porque temos mais ou menos horas de sol, ou porque está mais frio ou mais calor, impactando claramente no uso das 24 horas diárias. No limite, e numa era de exploração espacial e em que se fala muito de nos “mudarmos para Marte”, temos realmente um ponto a favor, uma vez que em Marte os dias são mais longos e teríamos 39 minutos a mais por dia. A questão é que a variável física e climática nos diz que a atmosfera é irrespirável e a temperatura ronda os 60 graus celsius negativos. Hoje mais do que nunca, o foco no nosso tempo deve estar em ajudar a resolver os desafios de sustentabilidade do planeta Terra, tema que explorei recentemente no livro “Binómio Tecnologia e Sustentabilidade: 7 Lições de Colaboração, Inovação e Liderança em Portugal e na Europa”.
A verdade é que também a ciência define o tempo de formas diferentes. Podemos olhar para o tempo como uma linear e cronológica sequência de acontecimentos, podemos acreditar que segundo Stephen Hawking, existem múltiplas possibilidades de tempo, ou até que o tempo não existe, como Carlo Rovelli.
É necessário advogar uma consciência de tempo. Uma forma de encontrar o equilíbrio entre o que fazemos e o que queremos fazer, respeitarmos o tempo e o timing dos vários projetos pessoais e profissionais em que estamos envolvidos e sentir o nosso bem-estar emocional, humano, social e económico. Por um lado, o facto de utilizarmos cada vez mais máquinas e tecnologia não nos pode fazer ficar menos humanos. Por outro, se o tempo realmente não existir e for produto da nossa imaginação, não há razão para não lhe darmos o tempo devido.
Diogo Almeida Alves é Vice-Presidente na A2D, focando-se na transformação digital de grandes empresas e no desenvolvimento de competências digitais das suas equipas. É co-autor do livro “Binómio Tecnologia e Sustentabilidade”, Professor Convidado na Universidade Católica Portuguesa e Director da Associação Federal Alemã de Sustentabilidade. Viveu em 4 continentes e 9 países, geriu startups líderes nos seus sectores e trabalhou em Venture Capital. Improvisa na vida e no teatro, e juntou-se aos Global Shapers em 2016.
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.