O primeiro filme da saga Toy Story foi lançado já há 23 anos em Portugal. Foi aí que o xerife Woody e o astronauta Buzz Lightyear começaram a entrar no imaginário de todos nós.

O último filme, Toy Story 4, é um hino às relações, ao comportamento e à natureza humana.

A narrativa faz-nos pensar que estamos numa máquina do tempo, em que a infância e a fase adulta fazem flash backs e fast forwards constantes, e em que as personagens são resultado de uma evolução que bem podia ser a do Homem. É um filme poderoso, emocional, e que apresenta lições importantes para qualquer idade.

1. Liderar também significa saber seguir

O cowboy Woody é a personagem central da história ao longo dos 4 filmes. Contudo, em Toy Story 4, algo muda. Woody tem uma nova criança, Bonnie, e aparece como um brinquedo arrumado no armário e com a sua estrela de xerife a ser dada a Jessie, a cowgirl.

No entanto, o aparecimento de um novo brinquedo, Forky, faz com que Woody entenda que o seu papel é o de garantir que nada de mau aconteça a Forky, porque ele agora é o brinquedo mais importante para Bonnie. Tal é manifestado na sua atitude pedagógica e proteção constantes.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Woody mostra que liderar significa saber os momentos em que efetivamente se toma iniciativa, bem como reconhecer quando as dinâmicas se alteram e agir de forma consonante, liderando ou seguindo.

2. Reconhecer o espírito de sacrifício em prol da equipa

Na relação entre Woody e Forky, a atenção permanente do cowboy é refletida em várias viragens da história em que este volta atrás para recuperar o frágil brinquedo. Para além disso, todos os outros brinquedos de Bonnie entendem a importância de Forky, unem-se e agem em torno do objetivo de o ter de volta.

O altruísmo de Woody é tão mais aumentado quando se priva deliberadamente de uma das suas características fundamentais enquanto brinquedo, mostrando espírito de sacrifício em prol de todos os brinquedos, que esperam ansiosamente pelo seu regresso e o de Forky.

Para além disso, Woody entende que a sua corda é uma oportunidade de realizar o sonho de um brinquedo novo na história, a boneca Gabby Gabby.

3. A empatia e o empowerment no feminino

Gabby Gabby mostra-nos a importância da empatia, através da relação que procura criar com Forky, bem como na procura de compreensão sobre a vida de Woody, fazendo uma associação entre a experiência passada do cowboy e uma visão do futuro que ela própria pretende para si mesma.

Toy Story 4 é também um exemplo inacabado de liderança e empowerment no feminino, não só demonstrada por Gabby Gabby com os ventríloquos, mas sobretudo por Bo Peep, uma boneca de porcelana, pastora de ovelhas, e namorada de Woody.

A independência e força desta personagem é demonstrada vezes sem conta, assumindo a liderança do grupo em diversas situações e tomando riscos, sendo a mais preparada para tomar decisões e coordenar o grupo com a sua concordância, até mesmo com a de Woody, supostamente o líder natural e histórico.

4. É essencial renovar e mudar mentalidades

A construção e evolução de personagens como Bo Peep e Forky são um apelo à mudança.

No primeiro caso, os brinquedos perdidos são uma metáfora para uma sociedade efémera e acelerada, em que a posse é substituída pelo usufruto, sempre com uma mensagem positiva. Por um lado, os brinquedos perdidos no parque de areia são brinquedos úteis, porque diferentes crianças podem brincar com eles. Por outro lado, a definição de pertença e o medo de deixar de ser relevante é substituído pela noção de que terão sempre momentos de felicidade e satisfação diferentes todos os dias.

No segundo caso, a perceção sobre Forky é bastante trabalhada e aprofundada. Este garfo transformado em brinquedo que está confortável com o lixo e vai ganhando confiança ao longo do filme, é sobretudo uma demonstração do impacto que os seres humanos podem ter no seu meio ambiente, e que podem optar pela opção mais sustentável.

Quando Forky assume que “o lixo é quente e acolhedor” faz um apelo à reflexão, provocando um desejo de alteração de mentalidades e uma ação humana mais efetiva sobre temas como o lixo, a poluição ou o plástico.

5. A importância da criatividade e da inclusão

Para além do seu cariz sustentável, Forky é também uma prova da força da criação.

O medo do primeiro dia de escola de Bonnie é ultrapassado pela sua própria criatividade, em que transforma a oferta de Woody numa nova experiência e paixão. A criatividade transposta na figura de Forky é um sinal claro que para os problemas complexos podem haver soluções criativas e inovadoras, e que a colaboração é essencial para atingir esse objetivo.

Não menos importante para essa colaboração é a inclusão de todos. Para além do esforço constante de Woody em explicar a Forky a sua importância para Bonnie, bem como a evolução da sua missão enquanto brinquedo ao longo da vida com Andy e Bonnie, tal mensagem é reforçada através de duas novas personagens, Ducky e Bunny, brinquedos que estão fisicamente ligados e que portanto têm de se desenvencilhar das situações e procurar soluções juntos.

6. Lidar com o falhanço com resiliência e flexibilidade

O falhanço e o medo de falhar é explorado de forma sistemática e muito inteligente ao longo de Toy Story 4. Para além de Woody, que busca incessantemente a perfeição e pensa sistematicamente na consequência das suas ações, o acrobata Duke Caboom, pela natureza da profissão e episódios passados, é porventura a personagem que se debate mais diretamente com o falhanço no filme.

A verdade é que o enviesamento da experiência passada não o inibe de tentar mais do que uma vez, e apesar de cair, celebrar o sucesso. A postura de Duke Caboom é uma metáfora para a vida, em que o falhanço deve ser encarado de forma natural, e se a pressa é sua inimiga, a prática é o caminho da perfeição.

No caso dos brinquedos perdidos ou em personagens como Bo Peep, Woody ou Gabby Gabby, com o falhanço e a prática vêm também oportunidades, e a importância de nos darmos a nós e aos outros uma segunda oportunidade é um ensinamento valioso desta história.

7. A voz da consciência e do conhecimento

Tal como em Toy Story 4, o final da narrativa deste artigo está também no seu início.

A relação entre as duas personagens mais conhecidas da saga conhece aqui um novo capítulo. Apesar da liderança de Woody e da busca de validação de Buzz Lightyear, em Toy Story 4 é a voz da consciência deste último que assume preponderância. A verdade é que na ausência de Woody, os brinquedos de Andy e agora de Bonnie, pedem orientação a Buzz Lightyear, que busca respostas e inspiração para tomar as melhores decisões.

Durante a história, a sua consciência é corporizada nos seus botões de astronauta, que o guiam e lhe dão as orientações necessárias para ultrapassar todos os obstáculos. Contudo, as palavras finais de Buzz Lightyear ao xerife Woody são tomadas pela sua própria consciência em relação ao que Woody precisa naquele momento.

Ambas as personagens crescem em maturidade e em auto – conhecimento, evoluindo e reforçando os seus laços. Depois de um caminho em que as vulnerabilidades e as fraquezas foram amplamente exploradas, testadas e postas à prova, é agora tempo para continuar a amar e aprender.

No fundo, Toy Story é, concretamente e sobretudo, Human Story.

Diogo Almeida Alves é Partner na The Human Story, uma organização que se foca no empowerment e desenvolvimento de competências através da inovação e artes, tendo o teatro de improviso no centro da sua metodologia. É co-autor do livro “Binómio Tecnologia e Sustentabilidade”, Professor Convidado na Universidade Católica Portuguesa e tem presença no Board de duas ONGs na área da sustentabilidade, a Associação Federal Alemã para a Sustentabilidade e a Loving the Planet. Viveu em 4 continentes e 9 países, e colabora também como consultor sénior com grandes empresas nacionais e multinacionais na sua transformação digital, e também com startups e investidores entre a Europa, Estados Unidos e Ásia. É o atual Curador dos Global Shapers do Fórum Económico Mundial em Lisboa.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.