“Que giro! É igualzinho à mãe. Será que também vai seguir a carreira de professor?” ou “Inês, o que queres ser quando fores grande? Médica como o avô, ou empresária como o pai?” são perguntas com o mesmo propósito, feitas em momentos e com expectativas diferentes, mas que raramente falham em aparecer.

Por um lado, temos o recém-nascido ao qual lhe são sugeridas versões de um futuro que o próprio nem imagina existirem. Afinal de contas, ainda é cedo.

No segundo momento, a meio da infância, diria, as perguntas já esperam uma resposta da nossa parte. De forma altruísta, colocam-nos exemplos familiares e com os quais nos podemos facilmente relacionar de forma a auxiliar (e quiçá condicionar?) a nossa escolha perante aquilo que creem ser exemplos de sucesso. É natural.

Curiosamente, mais tarde, quando finalmente já somos maiores, continuamos a fazer a nós próprios a mesma pergunta com o sentido subjacente de nos tornarmos melhores. “Para onde tende a minha indústria e que competências devo adquirir?” “O que estão os meus superiores a aprender que eu também possa fazê-lo?” “Que curso/formação posso tirar para sobressair no mercado de trabalho?”

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“O que queres ser quando fores grande?” Não é nada mais nada menos do que um conjunto de expetativas, primeiramente externas e depois internas, que nos levam a percorrer o nosso caminho.

Alguém deveria ter feito esta pergunta a Portugal há muito tempo. Talvez há tempo suficiente para encontrar um país ainda despido de consciência e hábitos. Um país que ainda tivesse espaço para ser ensinado a ser competitivo, ambicioso e que olhasse para os seus superiores ou pares não numa perspetiva negacionista e de impotência, mas sim como exemplos de motivação e de objetivos a superar.

Talvez por esta altura, o nosso “Portugalzinho” já seja um adolescente habituado a crescer ao sabor do vento sem que lhe sejam imputadas responsabilidades pelas suas ações. Quando o são, não hesita em levantar o dedinho e apontar para o colega da turma mais próximo, sacudindo de forma fugaz, qualquer sentimento de culpa pelo qual pudesse ser acusado. A absolvição de todos os males e o mérito a receber todos os bens está intrínseco numa cultura que não foi, desde cedo, ensinada a pensar de outra forma.

E a culpa é nossa. O que está para trás não pode ser mudado e, portanto, a geração que hoje começa a ter poder de decisão deve, obrigatoriamente, ter uma conversa séria com o “Portugalzinho” de forma a alinhar-lhe as expectativas sobre o que é preciso ser quando for grande caso se queira manter competitivo no panorama global.

Nós somos hoje, e durante os próximos anos, tutores deste adolescente problemático. Desengane-se quem pensa que poderá fugir a essa responsabilidade. O peso de virarmos as costas e termos um adulto mal resolvido e cheio de problemas é demasiado evidente e a consequência é perdemos de vez o comboio da evolução.

A primeira linha de ação deve começar por conversar com Portugal e expor de forma clara as suas debilidades. Devemos ser abertos e frontais no diálogo e ensinar que é a trazer os problemas à superfície que estes se resolvem. Este adolescente precisa de frontalidade e caráter, urgentemente.

Necessita de saber que os jovens portugueses foram os que saíram mais tarde da casa dos pais na União Europeia em 2021, com uma média de 33,6 anos face à média europeia de 25,5 anos.

Não fosse isto suficiente e estaríamos bem. Mas não. O salário médio em Portugal é o 10º mais baixo da União Europeia. Em média, as pessoas que trabalham a tempo completo na União Europeia ganham 33,5 mil euros por ano, enquanto em Portugal esse valor é de 19,3 mil euros.

E como não há duas sem três, a carga fiscal em Portugal continua maior que a média da OCDE.

Bem sei que (infelizmente) estes factos não são estranhos a Portugal. O que também sei é que Portugal não pode “continuar a assobiar para o lado” e a fechar-se no quarto a ver telenovelas de rodopios governativos sempre que lhe são questionadas as perguntas difíceis, mas fundamentais.

O caminho para se tornar maior é, neste caso, e, na minha opinião, uma linha direta em dar mais condições aos jovens e às empresas para que se possa estimular a economia sob pena de uma estagnação que só nos vai atrasar.

No recreio político, muitos são os debates e as comparações com outros países e o perigo de Portugal cair no grupo dos que comparam por baixo em vez de se comparar com os que estão em cima é elevado. Afinal de contas, “diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”.

Se queremos ser grandes, temos de pensar como quem já o é. E isso começa por assumir que temos de ser nós a encarar as nossas responsabilidades, resolver os nosso desafios e trilhar o nosso caminho. Sem desculpas.

“E tu Portugal, o que queres ser quando fores grande?” pode soar hoje, aos ouvidos deste adolescente, uma pergunta estúpida e desnecessária Mas não cedamos. É altura de pressionar.

Ricardo Figueiredo é CEO da LUGGit, uma empresa tecnológica fundada em 2019, que providencia um serviço de recolha, armazenamento e entrega de bagagem. Em 2020, foi considerada pela Organização Mundial de Turismo como a 2ª Solução Mais Inovadora do Mundo. Para além da sua atividade profissional, é co-autor do livro de educação financeira infantil, “Maria e o Segredo da Poupança”, um projeto do Hub dos Global Shapers de Lisboa, aos quais se juntou em 2021.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.