Volvidos três dias das eleições legislativas antecipadas e de já termos tido a oportunidade de ouvir todo e qualquer malabarismo tático de pensamento sobre o que terá levado os portugueses a confiarem o seu voto ao Partido Socialista – como se o cidadão comum assim refletisse, exaustivamente e pesando os prós e os contras do seu sentido de voto – ainda não ouvimos praticamente ninguém dizer que talvez, só talvez, uma grande parte dos portugueses estejam simplesmente fartos de folclore, queiram um governo a funcionar, governo esse que permitiu ter avanços significativos no que toca ao acesso ao ensino superior, nos passes sociais, nos manuais escolares gratuitos, numa quase irrepreensível gestão da pandemia e, acima de tudo isto, num exímio processo de vacinação, provavelmente o melhor no Mundo – se isto fosse uma competição, que como é óbvio não o é. E talvez a maioria dos grandiosos pensadores da vontade popular se tenham esquecido do simples facto de que desde as eleições legislativas de 2019 até à chegada dos primeiros casos de Covid-19 ao nosso país passaram-se cinco meses.

Portanto, a legislatura que terminou com o chumbo do orçamento do estado durou sensivelmente dois anos e um ano e sete meses foram passados em plena pandemia. Ora, quando o PS afirma que quer que os portugueses lhe garantam estabilidade, isto está errado onde? Não está, e eu passo a explicar porquê – na minha opinião que pouco ou nada vale.

O BE e o PCP voltaram a mostrar aos portugueses de que fibra são feitos. São partidos historicamente da oposição e isso notou-se muito durante esta campanha, concretamente pelo BE: para a direita gritava-se aos sete ventos que o país tinha avançado muito nestes últimos seis anos e que – pasme-se – isso tinha sido derivado da força e das exigências do BE. Para a esquerda, concretamente para o PS, queixava-se que tudo estava mal. Para o eleitorado, Catarina Martins vociferava com aquele tom apaixonado e sensacionalista que a caracteriza que o voto no BE era o garante da estabilidade de uma maioria à esquerda – quando a própria tem culpa direta na queda deste governo com o chumbo do OE –, que o PS se manteria à esquerda e que implementaria as reformas estruturais necessárias. Portanto, Catarina Martins vivia e vive claramente num mundo à parte. Em suma? Os eleitores puniram o PCP e o BE pela sua irresponsabilidade.

E como explicar a queda estrondosa do PSD? Bom, se a maioria do eleitorado não sabe bem onde se situa o PSD é normal que não vote nele. Rui Rio afirmou em tempos ser de centro-esquerda, quis nesta eleição posicionar-se ao centro. Resultado? A maioria da direita posicionou-se nos dois novos emergentes partidos, bem distintos entre eles, e no CDS, que não elegeu e viu o seu líder demitir-se – de entre os derrotados, o único que teve a humildade e a coragem de se responsabilizar no momento da derrota e deixar a liderança do partido, embora todos saibamos que a culpa deste declínio do CDS está longe de ser de Francisco Rodrigues dos Santos; há de ter começado lá por 2013, com as birras de necessidade de importância do enfadado Portas.

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Retomando o PSD. Se Rui Rio queria vencer estas eleições teria que concentrar em si os votos da direita e do eleitorado indeciso e moderado, que alterna o seu voto entre o PS e o PSD. Tendo Rui Rio focado a campanha ao centro e ainda assim não se tendo distanciado o suficiente do Chega, ainda para mais depois do acordo nos Açores e de ter dito solenemente que se o Chega se moderasse ponderava o acordo nacional. Ora, teve uma singela oportunidade de se destacar neste ponto no debate com André Ventura e o resultado foi péssimo, resultando provavelmente no menos mau debate de André Ventura. Portanto, Rui Rio teve a impressionante capacidade de perder a direita para a direita e o centro dos moderados – por ele próprio não ter traçado linhas vermelhas com os não moderados de forma clara e inequívoca – para o PS, ironia das ironias, o partido da sua centro-esquerda tantas vezes proclamada.

Fim do jogo, maioria absoluta do PS, PCP e BE punidos pelos eleitores, PSD punido por si próprio. Chega lá elegeu uns não sei quantos deputados que não são Andrés Venturas e, portanto, não vão conseguir esconder a debilidade do seu discurso com retórica, como tão habilmente faz o seu líder. Prevejo um declínio do Chega nos próximos anos, mas só o tempo o dirá. Aliás, não será só o tempo. Será também um PSD renovado, que concentre em si a oposição ao Governo – que é sempre necessária e relevante – e que seja o porto de abrigo dos eleitores de direita; também assim os mesmos não se voltarão para o Chega.

Rescaldo do jogo, PS com maioria absoluta.

Agora é hora de o PS mostrar que sozinho e sem as amarras do BE e do PCP consegue levar Portugal no rumo certo. Os militantes, como eu próprio, os simpatizantes e os eleitores em geral estarão cá para tirar as suas próprias conclusões no final.