O que me faz escrever estas linhas de reflexão e de partilha não é um problema isolado. É, antes, um aglomerado de problemas que resultam, em primeira instância, de um longo contexto histórico e cultural que marca ainda o Portugal de hoje e que teve um dos seus maiores antecedentes no processo de descolonização, na consequente emigração africana para o nosso país, cuja integração continua a ser desafiada – e em alguns casos é mesmo dificultada – por múltiplas desigualdades estruturais. E também por preconceitos e por comportamentos que, não obstante a evolução e o amadurecimento da nossa democracia, se acentuam através de algumas resistências e, até, fomentados por vários retrocessos ideológicos e civilizacionais.
Ora, o Estado – que na sua conceção mais clássica compreende o povo, o território e a soberania como os seus elementos fundamentais – tem de ser encarado como um todo, que é de todos. De cada cidadão. É urgente uma abordagem pedagógica e a consciencialização de que o Estado não são (só) os outros ou que os problemas dos outros não são um problema nosso. A falta de sentido de comunidade não evitou décadas de divisão da sociedade portuguesa, o distanciamento de realidades que, sendo diferentes, nos parecem ter sempre um lado inexistente sobre o qual não pensamos, porque não vemos ou porque simplesmente desconhecemos. O Portugal democrático também fez isto, condenando muitos à segregação em bairros sociais.
O Estado falhou e continua a falhar, apesar dos avanços das políticas públicas, do voluntariado ou das respostas mais ou menos formais a vários níveis. Cinquenta anos depois da Revolução de Abril, a direita radical aproveita o mediatismo da morte, ampliando o ódio e incitando à violência. Do outro lado, a esquerda radical oferece o que falta ao braço-de-ferro dos extremismos. Enfim, a moderação que precisa de sensatez, a verdade que precisa de tempo e o caso concreto da justiça que carece de evidências e de provas para julgar, parecem não ter espaço – nem voz – no imediato.
A liberdade, a igualdade e a solidariedade devem morar em nós, da mesma forma que qualquer país dentro do nosso país deve ter o direito de morar e de viver de forma inclusiva, sem a guetização da habitação. Se fomos capazes de substituir a caridade pela solidariedade, ao longo dos últimos anos, formalizando respostas e alocando recursos, temos de pensar numa política de habitação em sociedade, em detrimento da ideia de uma habitação social. Não se trata de alterar um nome, trata-se de mudar as coisas.
Aos atores políticos exige-se a máxima responsabilidade. Da minha parte, enquanto deputado, não luto por menos do que defendo como cidadão: concretização de justiça, construção da paz, da liberdade, da solidariedade e da igualdade. São estas as causas que evitam os casos, sejam eles quais forem.