No último ano, tive a oportunidade, a honra e o privilégio de colaborar mais de perto com várias instituições ligadas à Defesa. Fui nomeado para um grupo de trabalho na NATO que tinha como finalidade rever os procedimentos de contratação (procurement) de projetos financiados pelo orçamento comum da Aliança. O relatório final do grupo é público e está disponível aqui, mas fica uma brevíssima síntese da minha perceção sobre o trabalho efetuado.

O grupo era composto por 13 especialistas oriundos ou das instituições militares ou dos respetivos ministérios da defesa ou do meio académico (o meu caso) ou aposentados da própria NATO. Cada país só podia ter um representante e nem todos os países puderam estar representados. Com o intuito de assegurar total independência face a qualquer tipo de influência, nenhuma remuneração esteve associada à minha participação no grupo.

Tratou-se de rever os procedimentos de contratação de projetos de financiamento comum (desde a conceção ao desmantelamento – cradle to grave – do “berço ao túmulo”). Tratam-se de projetos relacionados com infraestruturas militares, equipamento, tecnologias de informação e comunicação que tenham, de forma considerável, relação com a estratégia militar comum da Aliança. Não estão em causa projetos ou ações militares como, por exemplo, a intervenção da NATO no Afeganistão. Este tipo de intervenção passa por logísticas de implementação que nada têm a ver com o tipo de projeto analisado por nós.

Começando por um ponto positivo: encontrei uma instituição muito aberta e transparente. O nosso relatório é público, sem qualquer reserva e o facto de ser ou vir a ser público em nada condicionou os trabalhos ou as suas conclusões. Na verdade, fiquei surpreso com a quantidade de relatórios de auditoria interna que são públicos, a começar pelo que chama à atenção para a criação do grupo de trabalho externo e independente que sugerisse soluções e abordagens diferentes.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A pior surpresa foi mesmo a forma e o ritmo como as coisas sucedem na Organização. O prazo médio de implementação e entrega dos projetos em causa são cerca de 16 anos. Há que ter em conta que muitos destes projetos não se cingem à entrega do equipamento, mas incluem a sua utilização e o seu desmantelamento (lembrem-se: cradle to grave). O que isto quer dizer é que estamos a falar de equipamentos que terão de ser depreciados ao longo de largos anos, o que é comum com equipamento militar. O que choca mesmo mais é que o processo de implementação em média (diria eu cradle to cruise – do berço à velocidade de cruzeiro) dura mais de 5 anos em média. Choca imenso que estes prazos de implementação não sejam substancialmente diferentes, quando se trata de projetos ligados a tecnologias de informação. Atrasos destes basicamente tornam obsoleto qualquer tecnologia usada no primeiro momento da sua utilização (reforço que não estamos a falar do grosso do equipamento militar dos países membros, mas do equipamento que é financiado por fundos comuns). Em cima dos 16 anos de média, acrescem mais de 4 anos de atrasos adicionais e esses é que urgem abater.

Resumindo, o processo de implementação destes pacotes é lentíssimo e é inútil quando estamos a lidar com novas tecnologias, que são incompatíveis com este tipo de atraso. As causas para estes atrasos são inúmeras, ainda que a maior parte das quais perfeitamente lógicas. Por exemplo, se os projetos são de financiamento comum, convém que sejam aprovados de forma comum pelos agora 29 países membros da Aliança. Ora acontece que os momentos de aprovação a 29 são imensos. Cada projeto tem de passar por crivos destes inúmeras vezes, o que não só é extremamente moroso, como introduz uma necessidade de acomodação diplomática brutal. Tudo isto só piora à medida que a Aliança cresce em número de países membros. Outro dos problemas é a inflexibilidade induzida por um processo tão demorado, que impede ajustamentos ou melhoramentos nos projetos. Qualquer alteração implica adiamentos, atrasos, verificações e validações renovadas, que induzem ainda mais atrito no processo e aumentam a probabilidade de obsolescência dos projetos logo na altura da sua execução. Agilizar o processo foi, por isso, o objetivo do nosso grupo de trabalho.

Foi também através deste trabalho que entendi que esta agilização na Aliança é imprescindível no que diz respeito às Forças Armadas Portuguesas e ao seu papel na sociedade. Uma das principais preocupações da Aliança é que o orçamento da NATO seja usado da forma o mais eficiente possível. Por mais criticável que seja Trump (e é-o!), mais criticável ainda é que seja ele a dizer o óbvio: o dinheiro da defesa tem de ser bem gasto, porque não podemos contar sempre com o vasto orçamento de defesa dos EUA. Os americanos (não apenas Trump) sublinham que quase nenhum outro país da NATO está a gastar os 2% do PIB em defesa, a que todos estaríamos obrigados pelos tratados da Aliança.

Ora na busca da agilização e eficiência do orçamento gasto em defesa, Portugal tem de ver aqui uma enorme oportunidade e com exemplos muito concretos. Desde logo, os recentes incêndios florestais reforçam a importância que as Forças Armadas podem ter nestas ameaças à segurança nacional. Os incêndios, sejam eles criminosos, negligentes ou até mesmo naturais são evidentes ameaças à integridade territorial e à saudável atividade económica, indispensável à independência financeira do País. As Forças Armadas (em particular o Exército, mas não só) têm já colaborado ativamente na prevenção e resolução de incêndios. Mas a admissão do Governo em finalmente conferir à Força Aérea maiores responsabilidades nesta matéria é oportunidade para racionalização de meios e aumento de investimento na defesa, com um retorno imediato no País. O mesmo se pode dizer da Marinha no que toca a outra forma de terrorismo ambiental que vem do mar, bem como à proteção da atividade económica na agora vastíssima Plataforma Continental. Outra área crucial de investimento em defesa pode passar pela cibersegurança, onde as ameaças à soberania nacional, seja ao nível do Estado, seja ao nível dos particulares, são constantes. Investir em cibersegurança, aproveitando até a vinda para Oeiras da Academia da NATO para treino e investigação nestas áreas é uma forma de preparar o Estado e as empresas nacionais com um altíssimo retorno para a economia.

Todas estas novas funções (e muitas mais!) representam oportunidades de incremento de investimento na defesa e nas nossas Forças Armadas, sendo um expediente rápido, mas extraordinariamente eficiente de chegar ou mesmo ultrapassar a dita fasquia dos 2% do PIB.

Há até já muitos outros argumentos que acrescentam aos méritos de investir mais e mais eficientemente na defesa: desde logo como forma de promover a inovação nas Forças Armadas, nas empresas associadas às indústrias de defesa, em articulação com as academias militares e com as universidades. Esta articulação permite, aliada à nossa eficiente diplomacia económica, compensar a nossa falta de peso específico militar e empresarial num contexto tão competitivo e inovador como é o das indústrias de defesa. É um setor onde outros países membros da nossa dimensão investem e inovam de forma crescentemente dinâmica, internacionalizando, de forma agressiva, as suas empresas mais criativas. É um campo que exige elevada agilidade, criatividade e contínua intervenção à nossa diplomacia económica.

Depois, porque é esse o objetivo também da União Europeia que, com o Brexit, pode ficar órfã de um dos maiores contribuintes para a defesa comum europeia. O crescente entusiasmo da Comissão Europeia na definição de uma política de defesa comum passa essencialmente por argumentos semelhantes. Neste contexto, existem mesmo regras próprias no Eurostat que aliviam a oneração destas despesas enquanto despesa pública. Acrescem regras de proteção à indústria nacional, que são de aplicação impossível noutros contextos.

Em suma, é minha opinião, além de todo atual orçamento da defesa, este reforço de investimento público na defesa nestas novas funções das Forças Armadas terá um altíssimo retorno para o País. E ao retorno financeiro acrescento um ponto que acho essencial: a valorização incomensurável do papel das Forças Armadas na sociedade portuguesa, sem retirar nada às funções que tradicionalmente têm cumprido de forma extremamente competente. E se algum defeito tem a 3a República é o de ter ingratamente remetido as Forças Armadas para os quartéis, sem pensar nelas como meio, como solução, como alternativa para prevenir, evitar e resolver muitos dos problemas que assolam o País. É tempo de investir mais e eficientemente neste esforço de trazer de volta as Forças Armadas para o meio da sociedade, contando com elas para resolver problemas sociais e económicos. Fazê-lo é uma forma de as dignificar, de as valorizar, de as integrar e de lhes levantar a moral, sobretudo neste ano em que nem tudo tem corrido bem.