Vivemos tempos onde a educação para a cidadania se tornou um campo de batalha político e ideológico. Em vez de se focar na construção de uma sociedade mais esclarecida e coesa, o debate em torno do que deve constituir a formação cidadã tem sido capturado por opiniões polarizadas, egos inflados e visões centradas nos interesses de cada grupo. Cada facção reivindica a sua verdade, raramente com a humildade de compreender o todo ou de olhar para o futuro. É uma discussão mais focada no “umbigo” do que nas necessidades coletivas das próximas gerações.
A educação é, sem dúvida, o maior investimento que uma sociedade pode fazer em si mesma. Se realmente queremos preparar as gerações futuras para enfrentar as incertezas de um mundo em rápida transformação, temos de adotar uma perspetiva de longo prazo, focada em desenvolver cidadãos informados, éticos e resilientes. É evidente que o mundo em que vivemos mudou drasticamente; deparamo-nos com um planeta “virado ao contrário”, onde extremismos proliferam, a instabilidade política e social é uma constante, e as certezas que tínhamos se desmoronam uma após a outra. A única certeza do nosso tempo parece ser precisamente a incerteza, e esta é uma condição que a educação não pode ignorar.
Mas o que é, afinal, a cidadania? Cidadania é saber estar e saber conviver em sociedade. É a habilidade de interagir com respeito, dizer “bom dia” ou “obrigado” — pequenos gestos que revelam uma compreensão do outro. Mais do que isso, a cidadania implica conhecer os princípios fundamentais de gestão de tempo, os valores da ética, noções de finanças básicas e uma compreensão dos pilares da inovação e do empreendedorismo. E, mais importante ainda, cidadania é saber respeitar o outro, perceber a pluralidade de pensamentos e ideias, e reconhecer a diversidade que enriquece a nossa sociedade.
Contudo, ao invés de nos focarmos nestes valores universais e essenciais, temos assistido a uma série de discussões onde interesses próprios tomam a dianteira, onde o objetivo parece ser moldar a educação e a cidadania à imagem de uma visão particular do mundo — seja esta mais capitalista ou mais “dita proletária”. Mas a cidadania não deve ser forjada para servir uma ideologia; deve, isso sim, assentar em alicerces sólidos, construídos sobre o respeito, o entendimento mútuo e a dignidade de cada indivíduo.
Com tudo isto e tanto mais, será que não há um vasto leque de temas e valores que podem e devem ser discutidos em cidadania? Por que razão deveríamos estreitar o contexto desta disciplina, limitando a discussão a temas como a educação sexual ou a ideologia política? A cidadania, enquanto conceito de convivência e de respeito pelos Direitos, Liberdades e Garantias, tal como expressos na Constituição Portuguesa e nas normas europeias, deveria ser um dos maiores objetivos de qualquer sistema educativo.
A educação para a cidadania é uma oportunidade, não a única obviamente, mas uma base forte do papel da escola para que as futuras gerações tenham as ferramentas necessárias para navegar no nosso mundo de complexidade e incerteza, para além da partilha de competências técnicas. Um sistema educativo que promova o verdadeiro espírito cidadão é um sistema que prepara os jovens para serem pensadores críticos, participantes ativos e membros responsáveis de uma sociedade diversa. Que a nossa prioridade seja criar cidadãos completos, com uma visão aberta e uma mente preparada para os desafios do mundo real, e que nos afastemos das pequenas disputas de curto prazo que, no final, pouco contribuem para a construção de uma sociedade coesa e justa.