Portugal, como se sabe, vai começar 2022 com eleições antecipadas. Houve desentendimento, ou oportunismo político, e lá se caminha para mais um ato eleitoral. Na diáspora, onde, se contarmos com as primeiras, segundas e sucessivas gerações, vivem mais de cinco milhões de portugueses ou luso-descendentes, a maioria deles no espaço conhecido em termos eleitorais como “fora da Europa”, pouco ou nada acontecerá em torno de mais uma eleição para a Assembleia da República. Ou será desta que veremos o que já deveria ter acontecido há uns tempos: um novo paradigma para a diáspora. Será desta vez que, finalmente, vamos ter a voz e o compromisso que justamente merecemos e que Portugal precisa?
Não vale a pena entrarmos pela discriminação descarada do círculo eleitoral “fora da Europa”. Este círculo chegou a ser conhecido por “resto mundo”, ou seja, havia o círculo da Europa e depois havia o “resto do mundo”, que agora é “fora da Europa”, uma noção arcaica, cheia de eurocentrismo – nem que fossemos o centro da Europa e não a margem da mesma, mas isso já é outra loiça. A realidade é que esse dito círculo eleitoral, com uns bons milhões de pessoas, seguramente pelo menos 30% da população do país, tem menos deputados do que os Açores, com 248 mil habitantes. Essa é a tal falta de imaginação, sobre a qual constantemente escrevo, que um país, independentemente da cor partidária do governo, tem tido consistente e erradamente para com a sua diáspora.
Aquilo sobre que valerá a pena refletir, e martelar incessantemente, é a questão de esses dois deputados do resto do mundo, ou melhor, devo dobrar a língua, fora da Europa, serem de facto do resto do mundo. Será desta vez que os partidos políticos que, para bem ou para mal, são as equipas que temos para este campeonato, terão coragem (que nem deveria ser necessária) para escolherem candidatos da diáspora? Não me refiro a segundos ou terceiros elementos da lista, mas sim cabeças de lista da diáspora, homens e mulheres que vivam nas suas comunidades, que as conheçam, que as respeitem, que tenham trabalhado por elas, que as tenham defendido, que sejam residentes permanentes e não meros visitantes. Compreende-se (estou a ser generoso) que em tempos idos talvez até tenha sido necessário ter-se candidatos a estes cargos vindos da mãe-pátria, porém no mundo contemporâneo, e particularmente nos últimos 20 anos, não há justificação.
Se é verdade que os dois maiores partidos políticos portugueses, o PS e o PPD/PSD, os quais têm ganho sempre as eleições “fora da Europa” (mais o PPD/PSD do que o PS) querem dar oportunidades aos membros do seu clube nacional, não é menos verdade que têm na diáspora homens e mulheres ligados aos mesmos com qualidades e preparação para exercerem o dito cargo. Aliás, se queremos ser justos, podemos dizer sem qualquer desassossego que se tivemos e temos falhanços nas políticas da diáspora, e temo-las, o PS e o PPD/PSD têm todas as culpas, já que foram os arquitetos das mesmas ao longo das últimas quatro décadas, quase sempre sem consultarem as comunidades.
Compreende-se, em termos de fechamento partidário, as escolhas dos dois maiores partidos, mas não se compreende as escolhas dos partidos mais pequenos, quer os da esquerda, quer os da direita. É que esses, sim, poderiam ter dado (e ainda podem) uma lição aos chamados “Big Boys”. Neste ato eleitoral ainda não é tarde, nem para uns, nem para outros. Aliás, não é apenas o PS ou o PPD/PSD que têm gente capaz, os outros partidos também o têm, até mesmo o CHEGA. Particularmente nos EUA e no Brasil devem ter discípulos quer de Trump, quer de Bolsonaro. De todas as forças políticas em Portugal, de todos os partidos, espera-se que esta seja a eleição em que, finalmente, olharão para a diáspora como parceira, e não para encher listas. Quem na diáspora aceitar fazer parte de uma lista em que o cabeça da mesma não seja da diáspora é, na verdade parte do problema e não da solução. Espero que haja bom senso e que, na diáspora, no dito “fora da Europa”, se bata com a porta nesta discriminação. Na realidade, quem não se sente não é filho de boa gente. Há causas que são muito mais importantes do que o momentâneo momento de glória nas redes sociais.
Há ainda que encarar o mundo político-partidário. Há que exigir clareza das forças partidárias. Há que saber quem terá coragem para criar o Ministério da Diáspora, onde haverá gente ligada a todos os cantos da nossa presença no mundo. Quem terá a ousadia de afrontar e reestruturar, ou até mesmo abolir, se for a melhor solução, o Concelho das Comunidades. Quem terá a intrepidez de olhar para o antiquado sistema de apoio ao nosso movimento associativo. Quem terá a audácia de renovar o ultrapassado sistema de apoio ao ensino da língua e cultura portuguesas. Quem terá a bravura de aniquilar pequenos lóbis de interesses que travam o potencial que Portugal tem com a sua diáspora. Quem terá a perspicácia de olhar além da geração emigrante e dos caça medalhas que infestam o cerne comunitário. Quem terá a argúcia de cessar as visitas desnecessárias para troca de galhardetes, repletas de discursos efémeros e vácuos, transformando-as em eventos com resultados pragmáticos para Portugal e para a diáspora.
Como se ouve repetidamente: eleições têm consequências. Então vamos fazer deste o ato eleitoral em que a diáspora fará, finalmente, parte da nossa democracia e da decisão que os portugueses terão sobre o país. Se não seria visto com bons olhos um candidato que desconhecesse os Açores ser o cabeça de lista pela Região, também não é compreensível que a lista “fora da Europa” não seja encabeçada e composta na sua plenitude por candidatos desse “lado de fora”.
Em pleno século XXI, com quase meio século de eleições livres, a democracia portuguesa tem a maturidade suficiente para dar equidade à suas comunidades. É tempo de os partidos políticos compreenderem essa realidade. É tempo de todos nós que estamos “fora da Europa” erguermos a nossa voz e libertarmo-nos do elogio fácil e gratuito, exigindo novos paradigmas e novas soluções. Não desperdicemos este ato eleitoral.
Portugal é mais Portugal com a sua diáspora.