Volvidos 49 anos, o 25 de Abril continua a ser um período polémico da história de Portugal, fragmentando a sociedade num espetro de posições bastante distintas, nem sempre representadas devidamente pelos comentadores e atores políticos da atualidade.

Numa altura em que já mais de metade dos portugueses nasceu pós-1974, surgem tentativas – relativamente bem sucedidas, diga-se de passagem – de apropriação da Revolução dos Cravos, impondo uma visão histórico-política unívoca sobre um complexo momento da história do nosso país.

Mais do que entrar em retóricas bacocas e repetidas até à exaustão, urge esclarecer aquilo a que nos referimos, no plano simbólico e narrativo, quando falamos do 25 de Abril.

As palavras, os gestos e os símbolos são o nosso meio de comunicação e, por conseguinte, de pensamento. Muitos (George Orwell retrata-o na perfeição) procuram condicionar o pensamento de um povo através de algo tão simples como a (re)definição do sentido das palavras, deturpando conceitos e símbolos para uso político. Daí ser fundamental, numa civilização livre, o debate não só sobre as ideias e ideologias, mas também sobre o significado dos termos, conceitos e símbolos, que, essencialmente, constituem o terreno comum do debate e determinam o sentido do que dizemos.

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No que concerne ao 25 de Abril, creio ser, em grande parte, este o problema: nunca sabemos que língua estamos a falar – e muitos querem apropriar-se deste através da linguagem.

Assim sendo, há pontos sobre os quais convém refletir:

O 25 de Abril tratou-se de um golpe militar ou de uma revolução (socialista)? Podemos falar de revolução sem caminho para o socialismo, ou são indissociáveis? Se o são, temos de ser todos revolucionários (i.e, socialistas) para celebrar o 25 de Abril?

Que democracia representa Abril? A democracia liberal, parlamentar, assente na separação de poderes, na liberdade de expressão e nos direitos fundamentais (incluindo a propriedade privada), como a restante Europa, ou a democracia utópica, que só é plenamente concretizada “quando pertencer ao povo o que o povo produzir”?

Que liberdade simboliza Abril? A de nos exprimirmos sem medos nem restrições, desde a esquerda à direita, e de fazer ouvir a nossa voz em eleições, na rua e na imprensa? A de iniciativa, de empresa, de empreender atividade económica sem um Estado dirigista a controlar? Ou a liberdade de alguns poderem pôr mão ao que não lhes pertence, sob pretexto revolucionário, ou a liberdade abstrata que é só da esquerda e que só ela pode verdadeiramente dar ao povo oprimido?

Enfim, de que cor é o cravo?

Em suma, a grande questão que se coloca é: falar de 25 de Abril é, ou não, falar de socialismo?

Se o for, é só de alguns e é um abuso impor a todos a sua celebração. A ser assim, é uma pena, pois perde-se a possibilidade de união de todos os portugueses em torno de uma data que podia simbolizar a liberdade para todos, em detrimento da fratura que aproveita à cegueira ideológica. De modo a serem aceites pelo regime, alguns subjugar-se-ão, sem dignidade ou espinha dorsal, ao vermelho, apenas por um dia, para não gerar confrontos com quem sabem ser mais poderoso do que eles; outros, talvez mais coerentes, que ousem pensar contra a versão oficial, ficarão vistos como os eternos inimigos contrarrevolucionários. Resumidamente, nunca deixaremos a batalha ideológica, nem a guerra da linguagem.

Há, todavia, um caminho diferente.

Se o 25 de Abril não significar socialismo, então podemos celebrar todos: vermelhos, laranjas, azuis, rosas, brancos! O 25 de Abril assim é de todos, o que implica não ser propriedade de ninguém (a este respeito, é particularmente engraçado ser quem preconiza a coletivização da propriedade os incapazes de abrir mão da propriedade de uma data histórica)

A natureza tem coisas bonitas. A flor do cravo pode ser vermelha, rosa, amarela ou branca. A natureza não a fez apenas como vermelha, tal como o 25 de Abril não foi feito para sermos todos da mesma cor. Cabemos todos na sociedade portuguesa e cabemos todos no 25 de Abril, tal como num prado cabem flores de todas as cores.

Pelo menos, é essa a ideia de um jovem do novo milénio. Diga-me de sua razão quem o viveu: de que cor é o 25 de Abril?”