Entre 2010 e 2020, mais do que duplicou o número de alunos que aos 6 anos permanecem no ensino pré-escolar. Mesmo que o número de nascimentos nesse intervalo de tempo tenha diminuído de forma significativa. Muitas mães assumem essa decisão com o argumento de, com este adiamento, estarão a dar aos seus filhos a oportunidade de serem, por mais um ano, crianças!

É claro que se torna alarmante que, para muitos pais, a escola seja incompatível com o direito das crianças à sua infância. Mas, “exagero” à parte, a educação e as actividades extra-curriculares da maior parte das crianças com 6 anos, sobretudo nos grandes centros urbanos, fazem com que elas passem grande parte do dia no perímetro da escola. Passem a ter os seus tempos de formação em actividades educativas estendidos por períodos que vão, regra geral, para além das 8 horas diárias. Sintam uma ruptura abrupta entre os métodos da educação pré-escolar e os do ensino obrigatório. E a passar das experiências lúdicas, de descoberta e de experimentação, para rotinas muito mais expositivas e sedentárias. Tornando-se a actividade física e o brincar pouco frequentes. E a rotina em torno dos écrans a tornar-se amplamente dominante. Logo, vendo bem, ao contrário da vontade de todos, elas deixam de ser um bocadinho crianças. Mais do que devia acontecer.

A escola não é o trabalho das crianças! Elas aceitam que aprender nem sempre é fácil, exige esforço e um ou outro sacrifício. Mas a enorme mais-valia de se sentirem a ter argumentos para se entenderem a elas e à família, perceberem o mundo e as pessoas à volta delas, colocarem dúvidas, formularem problemas e porem perguntas é da tal forma intensa que as crianças entendem que a escola, não tendo que “doer”, lhes dá um imensíssimo prazer.

Um dia, afirmei que todas as escolas deviam ser como os jardins de infância, querendo com isso dizer que as metas curriculares não são incompatíveis com os métodos mais informais e mais participados com se aprende na educação pré-escolar. É claro que os 6 anos valem o que valem. Querem, sobretudo, dizer que por essa idade existirá, em todas as crianças, um mínimo denominador comum de autonomia, de “maturidade”, de competências cognitivas, de recursos emocionais e afectivos, e de sociabilidade que nos fazem assumir que as crianças estarão “prontas” para o primeiro ciclo.

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Acontece que nem sempre é assim. Sobretudo quando o pré-escolar escolariza precocemente muitas crianças e as põe a mimetizar conhecimentos sem que elas, de forma intuitiva, observem, concebam e deduzam, produzindo o conhecimento antes de o estruturarem, de forma lógica e abstracta. Fazendo com que, muitas das que começam cedo demais num registo destes, aos 8 anos já tenham sido “ultrapassadas” por aquelas que foram escolarizadas muito perto dos 7.

Hoje, entendo a opção que parece estar a tornar-se uma “tendência” que se vai instalando. E, em boa verdade, não a reprovo. É excelente que as crianças aprendam sem querer as letras e a leitura. Pareçam pedir, cada vez mais, operações matemáticas. Acedam ao jogo e, através dele, a raciocínios cada vez mais complexos. “Apanhem no ar” conhecimentos que “dominam” muito antes de os conceptualizarem. “Leiam” as histórias nos olhos dos pais e, dessa forma, acedam à palavra. O que as leva a pensar de um jeito mais expedito e, surpreendentemente, sempre mais rico. Aprendam com o corpo e nunca contra o corpo. Apurem a motricidade e a atenção. E, antes de irem à escola, estejam cada vez mais preparadas para ela. Sobretudo quando muitas destas crianças, hoje, vêm, ainda, da pandemia. Com todos os custos que isso acabou por ter para muitas.

É evidente que não se trata de fazer de um procedimento destes uma regra estrita que se tenha de estender a todas as crianças. Continuará a haver crianças que entram “mais cedo” na escola. E muitas outras que entram aos 6. A opinião dos educadores continuará a ser um instrumento precioso nestas decisões. E, em caso de dúvida, a dos psicólogos, também. Mas, argumentos de mães à parte, acredito, aliás, – sem qualquer “tendência ecológica” a presidir a isso – que quanto mais dermos tempo dermos às crianças para “apanharem o seu jeito” para o conhecimento, menos a clivagem entre alunos “espertos” e “maus alunos” se verificará. E quanto mais a escola se adequar à forma de aprender e de pensar de cada criança, em vez de as querer “normalizar”, mais a relação que todas elas terão com o conhecimento tornará o futuro da escola um lugar melhor para todas elas.