O Estado social, ou Estado de bem-estar, ou ainda “welfare state”, é uma conquista das populações da Europa ocidental sobretudo depois da segunda guerra mundial, progressivamente estendida, em maior ou menor grau, a outros países.

Antes, o Estado limitava-se às suas funções primordiais, com a característica de não poderem ser desempenhadas pelo sector privado devido à indefinição dos seus beneficiários: defesa nacional, segurança, justiça e aparelho recolector de impostos. Mais tarde, foram sendo acrescentadas outras funções, como vias de comunicação, educação ou alimentação e cuidados de saúde aos pobres, entendidas como favorecedoras da sociedade em geral.

Com o progresso económico pós-guerra induzido pelo Plano Marshall, foi possível aos diversos países da Europa gerar um excedente de riqueza sobre as necessidades que permitiu montar um esquema de apoio aos cidadãos em geral, compreendendo saúde e pensões de invalidez ou velhice, mas também abono de família, assistência aos mais desfavorecidos e outras ajudas em situações especiais de fragilidade. Embora seja contestado por alguns, por basear-se numa solidariedade forçada e que atenta contra a propriedade privada, é bastante consensual porque teve efeitos positivos para grande parte da população, e mesmo para a sociedade no seu conjunto.

Nem todos os países têm o mesmo nível de apoios nem o mesmo grau de riqueza, mas é possível traçar um retrato universal do que tem sido o financiamento do estado social. Num primeiro momento criou-se uma instituição específica, a Segurança Social, com orçamento e receitas próprios; depois, a insuficiência das contribuições para as despesas crescentes levou à agregação das contas. Hoje, a generalidade dos países tem um orçamento agregado, e uma parte dos gastos sociais é financiada com impostos que não são contribuições para a segurança social suportadas pelos beneficiários. Consequentemente, o problema do financiamento do estado social insere-se no financiamento do Estado em geral.

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E a que se deve o crescimento das despesas e a necessidade da sua cobertura por mais impostos?

É da teoria económica que a produtividade marginal é decrescente, e que, por isso, a chegada de novos trabalhadores não pode continuar o crescimento ao nível anterior. O aumento da prosperidade, ajudado pelo estado social, trouxe o “baby boom” das duas décadas posteriores à guerra, pelo que novos trabalhadores se integraram a partir dos anos 70. O crescimento económico abrandou significativamente, as despesas aumentaram, pois são função do número de beneficiários, e tornou-se necessária uma de duas acções: ou reduzir as despesas ou aumentar ou impostos.

Em geral a opção assumida foi a de aumentar os impostos. Porquê? Todos os países que adoptaram o estado social são, felizmente, democracias. E que fizeram os partidos? Para ganhar votos e ganhar postos no poder prometeram, e concederam, aumentos dos apoios sociais e de outras despesas. Não reduções, que a estas ninguém as queria. Obviamente, algum partido que prometesse rigor e austeridade, estaria certamente condenado a desaparecer.

A opção por gastar mais e aumentar mais a carga fiscal correspondeu a entrar num beco sem saída. E isto não podia ser de outra maneira porque a carga fiscal tem um efeito negativo na produção de riqueza: quando o nível de impostos é baixo um pequeno aumento da taxa afecta o PIB, mas a economia consegue absorver parte do impacto; porém, quando a carga fiscal já é elevada a perda de criação de riqueza pode ser dramática. Não é fácil medir o impacto porque há outros factores intervenientes, mas é do senso comum que uma hipotética taxa de imposto de 100% conduziria um país à estagnação total, e que uma taxa próxima disso teria um efeito parecido, donde podemos concluir que a queda do PIB por aumento da pressão fiscal pode ser drástica.

Em que medida a opção assumida reduziu o PIB na Europa nunca se quantificou, e nunca se lhe atribuiu a responsabilidade pela deslocalização da indústria europeia para o Extremo-Oriente ou pelo crescimento anémico recorrente ao longo de anos e anos. Mas estamos na altura de identificar um nexo de causalidade entre aquela opção e os dois citados factos.

O efeito negativo da carga fiscal no PIB tem como consequência óbvia um efeito negativo na receita fiscal. Ou seja, promove-se um aumento da pressão fiscal de, por exemplo, 5% e obtém-se apenas mais 4% de receita fiscal; no ano seguinte, mais pressão fiscal, menor crescimento do PIB e receita fiscal insuficiente. E assim sucessivamente, mas sem êxito, porque a receita fiscal obedece a uma lei inexorável traduzida por uma parábola: sobe, alcança um máximo, e baixa, de nada servindo então aumentar a taxa.

Com os consequentes défices orçamentais, o que fizeram os políticos? Pediram dinheiro emprestado, ou seja, recorreram à dívida pública. Com isto conseguiram que os aforradores (eventualmente representados por fundos ou outras instituições) financiassem despesas do Estado. Naturalmente com juros, pelo que, em breve, os aforradores passaram a financiar também os juros que auferiam. Até quando se poderá perpetuar esta situação? E podem os políticos garantir que no futuro não haverá um “default” socialmente catastrófico?

Crises de défices e de apertos orçamentais já os Estados sofrem desde há milénios, principalmente motivados por guerras ou calamidades, mas a situação actual é como uma calamidade permanente e com tendência a agravar-se.

A situação traduz-se por números inquietantes: o conjunto dos 27 países da União Europeia tem uma dívida pública média de 178% das receitas fiscais de um ano; apenas cinco pequenos países têm dívidas inferiores a 100%; no extremo oposto, estão Grécia com 331%, Itália com 287%, Espanha com 252%, Portugal com 228%, França com 213% (dados de 2023, Pordata). Ou seja, situações complicadas num dos extremos, preocupantes para os 17 países a nível intermédio, e desesperadas no outro extremo. Observe-se que é prática corrente que os organismos calculem a relação entre dívida e PIB, que dá lugar a números menos dramáticos mas mais afastados da realidade porque o PIB não é gerado pelo Estado, nem é com PIB que se pagam dívidas.

Com a permanente escassez de fundos fica afectado o estado social, pois os serviços de saúde claudicam, e a sustentabilidade das pensões fica em perigo. Mas também são afectadas as funções primordiais do Estado, com tendência para negligenciar a defesa, a segurança, a educação… Esta situação é responsável por mal estar na sociedade: os cidadãos queixam-se das falhas dos serviços do Estado, da escassez dos apoios sociais, da insegurança no futuro por estarem em perigo as pensões a que têm direito, assim como da excessiva carga fiscal; as empresas são sujeitas a impostos que prejudicam a sua competitividade no mercado global, investem menos e pagam salários mais baixos; os partidos enfrentam-se extremando as suas posições ideológicas, uns a favor do intervencionismo e do proteccionismo, outros defendendo o socialismo mesmo estando mais que provada a falência dos seus modelos, alguns extremistas propondo a saída da UE e a desvalorização da moeda nacional recuperada como se isso pudesse ser solução, outros ainda propondo o liberalismo como modelo a seguir. Nunca esteve mais bem aplicado o ditado popular “em casa onde não há pão, todos falam e ninguém tem razão”.

O problema só poderia resolver-se com grande consenso, que devia ser liderado pela EU, para o nivelamento das prestações sociais para o patamar máximo que a economia pode suportar; para o fim do ciclo vicioso das campanhas eleitorais, que só beneficiam os políticos prometedores; para a redução lenta mas programada e consistente da dívida pública; para a proibição de nova dívida líquida; para a redução de despesas supérfluas do Estado com a adopção do orçamento base zero. Com este consenso, tornado obrigatório para todos os países, a UE deveria promover um apoio financeiro extraordinário para que os países pudessem proceder a uma redução de impostos detonadora de um processo de recuperação.

Se assim não for, a solução será encontrada naturalmente: as economias vão deteriorar-se e as tensões sociais vão aumentar, até um patamar insustentável de desgraça e pobreza. Então, os políticos com êxito eleitoral são os que prometerem rigor e austeridade. E os cidadãos, já sem esperança no modelo actual, entregar-lhes-ão o poder submetendo-se a um doloroso processo de cura.

É como uma doença grave que um doente não cura porque o tratamento é invasivo e doloroso. Só quando a morte ameaçar bater à porta o doente se disporá a suportar o tratamento, porque já não vê alternativa. Não seria melhor ter coragem antes de chegar a esse extremo?