Anteriormente escrevi sobre o facto de Portugal estar preso num ciclo que o impede de evoluir. A nossa dívida sufoca-nos, e se algum dia quisermos abandonar de vez a mediocridade e ser um país com um nível de vida semelhante a outros da União Europeia, temos que dar passos no sentido de reduzir essa dívida, num processo longo e difícil. No ponto de partida espera-nos um cenário muito reservado, já que somos um país sobre-endividado que depende do exterior para praticamente tudo e que tem uma carga fiscal que, embora altíssima e castradora da economia, é a única forma de manter o estado atual das coisas, num esforço global da população para que o país não afunde. No entanto, eu acredito que se gozarmos de relativa estabilidade internacional, algo que infelizmente já não podemos dar como garantido nos dias que correm, podemos dar passos no sentido de inverter a nossa situação.

Temos que ser um país que privilegie acima de tudo o desenvolvimento científico e a qualidade da educação, no sentido de tornarmos a nossa população cada vez mais qualificada e habilitada para contribuir com a sua competência nas mais diversas áreas da nossa economia. Temos também que criar condições para que os nossos muitos e bons recursos humanos que emprestam as suas qualidades a outros países possam, e queiram, regressar, e ao mesmo tempo tentar estancar esta hemorragia de excelentes quadros que vem acontecendo desde o início da década.

Dotadas do cada vez mais competente tecido laboral e ao mesmo tempo adotando o melhor possível aquilo que os avanços tecnológicos vão permitindo, as empresas terão que conseguir otimizar os seus processos de forma a que se tornem mais competitivas através da redução de custos. Se conseguirem, isto poderá permitir que acumulem poupanças para que possam realizar novos investimentos no futuro, criando novos postos de trabalho, e ao mesmo tempo melhorar os salários dos seus colaboradores de uma forma gradual e sustentada.

O Estado também precisa de se modernizar. É verdade que já temos um sistema burocrático em algumas áreas melhor do que muitos países da UE, mas precisamos de continuar a automatizar e otimizar processos nas muitas áreas do sistema que permanecem ineficientes, num caminho de redução de necessidade de funcionários públicos e redução de burocracia. É necessário também estarmos preparados para discutir algumas algumas leis que foram criadas para um contexto totalmente diferente. O mundo mudou muito nos últimos 40 anos, que sentido faz não atualizarmos o nosso sistema legal consoante a mutação da realidade?

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Devemos aproximar a política das pessoas. A nossa política vive uma crise de credibilidade, e embora menos grave do que em outros países, é necessário dar passos para que os principais atores da democracia sejam novamente vistos com bons olhos pela sociedade. A meu ver, isto faz-se de duas formas: primeiro devemos tornar o nosso sistema cada vez mais transparente, minimizando as possibilidades de ocorrerem derivas de corrupção e de abuso de poder. Segundo, embora não saiba concretamente quais os passos certos a tomar nesta matéria, sinto que de uma maneira geral devemos pouco a pouco transferir certas valências do poder central para as administrações locais, aquelas que estão verdadeiramente junto das pessoas. A partir do momento em que as pessoas sentirem que a sua participação democrática não tem influência real nos destinos do país, a democracia morre, e a nossa oportunidade morre com ela. Ainda relativamente a esta matéria, é importante lembrar que apenas num país livre da sombra da corrupção é que pode haver um ecossistema saudável de competição entre empresas, um fator fundamental para que haja um clima de crescimento.

Precisamos de continuar no caminho de nos aproximarmos da auto-suficiência energética através de uma continuada e crescente aposta nas energias renováveis. Não se prevê que nas próximas décadas o petróleo venha a deixar de ser a fonte de energia mais usada a nível global, mas pouco a pouco o mundo irá com toda a certeza adotar as energias limpas e inesgotáveis, e Portugal tem de continuar a fazer parte dessa nova realidade. Por isso, é preciso abraçar os avanços tecnológicos que nos chegam, no sentido a ir atualizando os nossos veículos e infraestruturas para tirar o máximo proveito das energias renováveis e cada vez menos de energias oriundas de combustíveis fósseis. É preciso ter consciência que isto no imediato pode até aumentar a nossa fatura de electricidade, principalmente tendo em conta o preço reduzido do petróleo à data que escrevo, mas é muito importante fortalecermos a nossa estabilidade enquanto nação reduzindo a nossa dependência externa resultante das necessidades energéticas.

Mas esta estratégia também apresenta fraquezas. Apostar na qualificação da nossa massa laboral e em melhorar processos produtivos não gerará muitos empregos no imediato, podendo até ter o efeito contrário. O nosso tecido laboral continua a necessitar de unidades de produção de bens para ser absorvido, e para isso precisamos de criar argumentos que seduzam grandes grupos industriais a instalarem-se no nosso país, mesmo que numa primeira fase o principal argumento sejam os baixos salários. Somos conhecidos como um país pacífico, tolerante e com mentalidade virada para o progresso, quer ideológico quer científico, vamos reforçar e capitalizar dessa imagem para cada vez mais nos abrirmos ao mundo.

Se seguirmos este caminho, vamos começar a reduzir progressivamente a nossa dívida, até que seja possível reduzir também os impostos e assim aumentar o rendimento das pessoas da forma correta, não artificialmente. Com um aumento das poupanças das pessoas e das empresas, resultante de uma gradual redução de impostos sustentada no crescimento económico, novos investimentos surgirão que aumentarão o tecido tributável do Estado, começando a ser possível que sejamos cada vez mais a pagar cada vez menos. Ao mesmo tempo que se reduz a dívida, os agentes externos reforçarão a sua confiança em nós, o que levará também a uma redução do preço dos juros, tornando-se progressivamente mais fácil manter esta estabilidade, e o país também se tornará gradualmente mais atrativo. O sucesso atrai sucesso, invertendo-se assim o ciclo de acumulação de dívida para um ciclo de redução.

Mas este é um caminho longo, em muitos aspetos sem resultados imediatos, e necessitaria de um compromisso responsável das nossas forças políticas num plano cuidado para muitos anos, não apenas a duração de uma legislatura. Por isso deixo-vos esta pergunta: estamos preparados para apanhar o comboio do progresso?

Engenheiro de Software