O sistema eleitoral português é cada vez mais um auxiliar dos dois “grandes” partidos da democracia portuguesa, representando um garante de eleição por todos os distritos aos mesmos, mas destruindo um fator fundamental da democracia em vigor, a representatividade.

Vamos por partes, e para isso irei numa fase inicial pegar no exemplo de alguns partidos e dos votos conquistados no interior do país. A votação do PSD no distrito de Portalegre foi de 12 432 votos (23,23%), mas uma vez que o distrito apenas coloca na Assembleia da República dois representantes, os socias-democratas acabaram por não eleger ninguém pelo círculo eleitoral. Em Bragança os mais de 5600 votos do Chega não resultaram em qualquer eleito, num círculo eleitoral onde 15 votos decidiram a atribuição do último de três deputados. A própria CDU no distrito de Évora, com 11 494 votos (14,6%), e mesmo o Chega com 7222 votos (9,15%) não colocaram qualquer deputado pelo círculo eleitoral alentejano, remetendo o sistema eleitoral vigente para uma triste realidade no interior, que vê os seus eleitores a sentirem cada vez mais que o seu voto nunca tem um impacto na representatividade nacional das suas ideias. No caso de Évora, e só analisando os casos da CDU e do Chega (partidos mais votados dos que não elegeram no distrito), percebemos rapidamente que o voto e a representação de um aglomerado de quase 19 000 eleitores acabam por ir, se me permitem o termo, para o “lixo”.

Então estou a dizer que no interior se deve votar apenas nos “grandes” partidos, uma vez que são os que conseguem mais facilmente eleger? Não, o problema nunca esteve em quem se vota, aliás o sistema representativo deveria encorajar ao voto pela convicção e nunca pela “utilidade”, uma vez que o único voto útil é em quem merece a nossa confiança, e em quem verdadeiramente representa as nossas crenças.

A questão fundamental prende-se com a reforma do sistema eleitoral. Defendo um sistema eleitoral de círculo continental único, ao qual se junta os círculos das regiões autónomas, que vejo como sendo a maneira mais eficaz de atribuir relevância e poder de decisão igual a cada eleitor no momento do voto. Já sei o que vão dizer, e a representatividade dos vários distritos? Acabaria sempre por ser assegurada, até porque, se observarmos bem, em muitos casos os candidatos pelos círculos não têm qualquer ligação ao mesmo, provando que o sistema vigente não beneficia em nada a representatividade numa ótica do candidato. Então se o candidato não é do círculo, se o voto, em muitos casos, mesmo que expressivo de um número elevado de eleitores, não origina representatividade dos círculos eleitorais, de que servem os círculos? Chego à conclusão de que estes têm de facto pouca utilidade real, sendo um mero instrumento de ilusão para que os distritos sintam uma falsa sensação de representação. Mas que culmina sempre na frustração do eleitor, por ver o seu voto, em muitos casos consciente e convicto (até orgulhoso por ser exercido em liberdade, sem a pressão corrente do “voto útil”), ir, se me permitem novamente a expressão, para o “lixo”.

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A questão do CDS foi, sem dúvida, a mais clara prova de que o sistema eleitoral em nada vai ao encontro do princípio da representatividade. Com 86 578 votos nacionais, os centristas não conseguiram um único deputado, mas viram o Livre e o PAN, com mesmos votos (no caso do Livre com muito menos) eleger um representante cada, isto pela questão da dispersão dos votos do CDS pelos vários círculos, em contraste com a concentração dos votos dos Livre e PAN no distrito de Lisboa. Isto em derradeira análise significa que mais de 86 000 eleitores do CDS não terão representação, mas cerca de 69 000 do Livre estarão representados.

Com estes exemplos quero apenas deixar um ponto. Portugal na sua globalidade necessita de reformas profundas nos mais diversos campos, desde a educação, à saúde, justiça ou do próprio sistema político, porém penso que após estas eleições fica cada vez mais clara a necessidade de juntar outra reforma, a do sistema eleitoral. Se queremos realmente ter um sistema representativo e que leve os eleitores a votar, combatendo a abstenção, temos de quebrar a corrente da bipolarização e fomentar a representação e a importância do voto como singular.

Não podemos continuar a aceitar um sistema onde milhares de votos, principalmente em círculos que no sistema atual colocam menos deputados na Assembleia, acabam por não resultar em representação, mas sim em frustração do eleitor e num convite à abstenção no futuro. Portugal é um país com dimensão que justifica um círculo único continental, no qual os candidatos se apresentem numa só lista e os mandatos sejam distribuídos por método de Hondt a nível nacional, pois só assim cada voto poderá contar e resultar numa maior representação.

E sei, caro eleitor, que se sentir que o seu voto pode realmente ter impacto, esteja a ler de Lisboa, Porto, Bragança, Portalegre ou de qualquer outro distrito, vai sentir-se mais próximo da política nacional, pois sentirá que contribuiu para eleger quem o representa.

E não é para isso que serve a democracia representativa?