Admiro o “cuidado” e a pena que os fazedores desta lei manifestam pelas pessoas muito diminuídas e sofrem a ponto de as matar: se elas quiserem, claro.

Primeiro, acham que quem está nessas condições “finais” tem a tal liberdade, consciente e libertada das forças interiores e exteriores, para escolher com toda a lucidez aquele morrer. É admirável! Em segundo lugar, esses salvadores da pobre gente conseguem identificar o grau de dor, assim chamado, “insuportável”. Com que dolorímetro? Terceiro: parece que ignoram o que a medicina evoluiu desde o sec. 19; e que existem e funcionam equipas completas e bem preparadas de Cuidados Paliativos (hoje, uma especialidade médica considerada e experiente) com todo o tipo de técnicos na terapia da dor, médicos, enfermeiros, psicólogos, psiquiatras, cuidadores vários e acompanhamento de familiares, etc.. Tudo isso existe. E há disponibilidade e até há equipas ao domicílio. E se em algum sítio ou ocasião não houvesse, essa é que seria uma boa proposta a exigir e a votar. Em quarto lugar, além de ignorar a ciência e a prática presente, apresentam-se como misericordiosos “abafadores” que vão resolver vidas difíceis e ameaçadoras, matando-as! Não tiram dor, física ou psicológica, etc., tiram a vida.

Estamos perante um reacionarismo paternalista que além de ignorante é ingénuo em relação ao mundo e à sociedade atual. Parece não saberem que a eutanásia, nalguns países, se comercializou: A) é suportada por uma propaganda com “bons” preços para ser feita nas melhores condições, com música e vista escolhida: uma espécie de hotéis de extermínio “voluntário”. B) Há “lares” onde é anunciado com todo o “cuidado” que “está na hora”, que é bom exemplo, que “a senhora do quarto ao lado já fez e correu tudo bem com a família presente”. Além do mais há falta de quartos para mais novos e mais necessitados. C) Acontece ainda que pode ser útil para resolver questões de heranças. E os herdeiros têm pressa e muito amor para tirar dores.

A lei tem, também, a “virtude” de parecer muito completa e apertada, com bastantes condições! Mas quem tem alguma experiência da vida e da história sabe que complicando muito, tornando quase impossível, essa, embora não pareça, é a maneira de se concluir que, como não se pode cumprir e, como é urgente, cada um faz como pode e quer e tudo lá cabe. Talvez não tenha sido obra assim tão “maquiavélica”. Mas, quem tenha prática do discernimento moral de ações e de situações, sabe que “há males com aparência de bem”, bem embrulhados. Aliás, ainda há bem pouco tempo, tivemos uma situação parecida: o governo ordenou um confinamento para defesa das pessoas contra a pandemia, mas com cinquenta e tal exceções! Conclusão: só quem não quiser é que não encontra uma alínea, “bem interpretada”, onde ele cabe… e salve-se quem puder. Valia mais ter dito só isto: façam tudo para ficar em casa; e mesmo aí!

Quem não tem coragem para dizer “não”, diz “sim” com muitas restrições. Mas engana-se. Pois só fica o “sim”: as restrições, subjetivas, caem e desaparecem.

Ora, na eutanásia portuguesa, não será fácil, e talvez, nem possível, cumprir todos os requisitos à letra da lei. Então, dirão alguns, não se vai poder fazer. Parece! Mas a realidade é outra. Os “impossíveis” são um convite a saltar por cima. Se não se consegue fazer tudo, ou a lei está mal feita ou dá para que, diante de uma realidade gritante, cada um faça como quer e lhe dá jeito. E os requisitos acabam por ser “esquecidos”. Para quem quer mesmo entrar, uma porta encostada é uma porta aberta. Ora, é por estas circunstâncias e consequências que se pode dizer: esta é mais uma lei em “rampa deslizante”. E lá nos iremos matando. Com meios mais modernos, mas também, talvez, mais paternalistas e “piedosos” do que antes. Ou, como diria o Pe. António Viera: “tentando endireitar a sombra da vara torta”.

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