O Rendimento Básico Incondicional (RBI), uma prestação agnosticamente distribuída por todos os cidadãos, independentemente da sua situação financeira, profissional ou familiar, foi um dos tópicos mais dissecados na maratona de debates que antecedeu o ato eleitoral do passado dia 30 de janeiro. O tema foi recorrentemente recuperado e posto à prova de vários argumentos, a favor e contra, defendidos pelos representantes dos nove partidos com assento parlamentar.
Apesar da entusiasmante esgrima retórica a que assistimos à volta deste ponto, o programa eleitoral do Livre, partido que trouxe esta discussão para cima da mesa, tem uma nuance que foi poucas vezes esclarecida: a proposta centra-se no teste do RBI e não necessariamente na sua implementação.
Durante os debates, alguns dos argumentos utilizados para rejeitar a pertinência da medida passaram por considerá-la injusta (no sentido em que poderia privilegiar “quem não quer trabalhar”) ou ineficiente (por poder representar um desincentivo à procura ativa de emprego).
Apesar de, por vezes, termos visto estes argumentos serem reduzidos a simplificações extremas e não alinhadas com a realidade, consigo perceber as preocupações que os sustentam. Ainda assim, a análise que é feita aos riscos e aos possíveis resultados é focada na implementação e parte do perigoso pressuposto de que sabemos exatamente o que o futuro nos reserva.
Não pretendo, com esta reflexão, ponderar os méritos e os riscos do RBI, nem as motivações de quem o defende ou se lhe opõe. Gostaria, no entanto, de convidar o leitor a ponderar os motivos que levam os nossos representantes políticos a desconsiderar tão estruturalmente o conceito de experimentação.
Num contexto que me é bastante mais familiar, o desenvolvimento de produto digital, a cultura agile há muito que está enraizada nas metodologias e estratégias adoptadas. Novas soluções são testadas junto dos potenciais utilizadores finais num processo iterativo que tem como principal objetivo a aprendizagem rápida. Às vezes, acertamos em cheio numa nova funcionalidade que os clientes adoram e que lhes melhora consideravelmente a vida. Outras vezes falhamos redondamente e desenvolvemos uma solução para um problema que ninguém tem. Em qualquer um dos casos, a única grande tragédia é não aprendermos com o feedback que recebemos.
Não quero equiparar a relevância e o impacto de uma política pública ao desenvolvimento de um novo ecrã ou botão numa qualquer aplicação móvel. Muito menos, quando falamos de uma medida com o potencial transformador (para o bem ou para o mal) do RBI. Ainda assim, acredito que existe uma possível osmose de processos entre estas duas dimensões que poderia tornar a nossa forma de planear o futuro mais eficiente.
Para tal, penso que existem duas condições essenciais que devem ser discutidas e endereçadas no futuro próximo.
De uma perspetiva operacional, acredito que precisamos de laboratórios de experimentação de políticas públicas: plataformas que permitam testar ideias e capturar a opinião da população em relação às mesmas. De forma rápida e localizada, de modo a permitir que se validem pressupostos e que se construa em cima das aprendizagens passadas.
Já de um ponto de vista cultural, devemos olhar para a experimentação como um processo necessário e tentar escapar à tentação do aproveitamento político imediato à volta dos falhanços. Um exemplo paradigmático desta ideia é a forma como lidámos com o aparente fracasso funcional da aplicação STAYWAY COVID. No contexto altamente incerto e de alta pressão de uma pandemia global, não só a solução, mas também a legislação que foi construída à volta da mesma não terão tido os resultados que eram pretendidos. Não nego que deva haver alguma responsabilização pela ineficiente alocação de recursos. Mas parece-me muito mais relevante que se crie o espaço e as condições para que a iniciativa possa receber a devida autópsia, que se aprenda com as conclusões da mesma e que se use esse conhecimento para futuras iterações.
Admito que possa fazer sentido iniciarmos esta abordagem com medidas mais pequenas e com menor impacto do que o RBI. De qualquer das formas, trazer a cultura de experimentação poderá ser uma medida essencial para a construção de um debate político mais inclusivo, eficiente e alinhado com as reais necessidades da população.