“Sinto que me preparei a vida toda para isto.” É o que sinto desde que comecei a explorar a ideia de ter o meu próprio negócio numa indústria totalmente desconhecida para mim.
2020 foi um ano atípico para todos, terrível para mim, quer pessoalmente, quer profissionalmente, ou talvez não… não sei ainda. Talvez quando me distanciar mais de tudo, consiga ver os acontecimentos com mais clareza e compreender a sua sequência. Neste momento, a única coisa que consigo ver com clareza é que trabalhar como User Experience Designer (aka UX Designer) durante os últimos 15 anos me definiu enquanto pessoa e me dotou de um conjunto de competências incríveis que me estão a permitir redesenhar o meu futuro.
Fazendo uma retrospectiva da minha carreira, posso afirmar que a minha vida profissional começou realmente quando iniciei o meu percurso como UX Designer em tecnologia, onde já contava com cinco anos de trabalho em agências de comunicação. Anos preciosos para conhecer e aprender vários tipos de negócios, várias competências e, principalmente, a fazer muito com pouco. Pouco tempo e pouco dinheiro.
O ponto de viragem aconteceu quando integrei uma das melhores empresas para trabalhar no Porto, a Blip, uma empresa de tecnologia internacional. Os meus horizontes abriram-se de uma forma exponencial, havia todo um mundo para descobrir e pessoas com quem aprender.
A partir daqui, a minha carreira disparou em flecha, aprendi mais e mais sobre UX e em paralelo ia tirando uma licenciatura em Marketing em regime pós-laboral. Uma loucura, eu sei, mas incrivelmente valiosa para a posição em que me encontro hoje. Foi como disse antes, sinto que me preparei a vida toda para este momento.
Entretanto, sedenta de conhecimento por UX e tecnologia resolvi ir para Londres onde fui miseravelmente infeliz (haja sol, comida, vinho e amigos por favor!), mas incrivelmente realizada em termos profissionais. Passei por várias empresas onde aprendi imenso sobre Lean UX e Human Centred Design. Consegui o meu emprego de sonho na Net-a-Porter, uma referência mundial de e-commerce e não poderia ter sido mais gratificante. DesignOps e Design Systems tornaram-se os meus nomes do meio.
Quando voltei a Portugal, trouxe uma mala de ferramentas pronta a ser partilhada com todos e assim o fiz. Tive oportunidade de trabalhar na Prozis, referência portuguesa em e-commerce também, e construir uma equipa brilhante. Aqui aprendi a ser líder. Em simultâneo, era muito ativa na comunidade e ainda conseguia dar aulas. Estava no expoente da minha carreira, onde sempre sonhei estar.
No inicio de 2020, aceitei um novo desafio profissional imediatamente antes da pandemia começar e a partir deste momento a minha vida pessoal e profissional sofreu uma grande reviravolta. Estávamos a meio do ano e tive de interromper uma gravidez aos quatro meses de gestação por malformação congénita grave. Passados três meses, sou despedida sem qualquer aviso prévio, literalmente de um dia para o outro. Acredito, veementemente, que ter passado uma vida a adaptar-me enquanto UX Designer me deu a resiliência e a capacidade de transformação que precisava no momento. Duas semanas depois, estava a inscrever-me no International Organic Skincare Entrepreneur Program da Formula Botanica, uma premiada escola britânica, e pronta para redesenhar o meu futuro e me reinventar enquanto pessoa. E é precisamente esta nova jornada na minha vida que tenho estado a partilhar numa conta de instagram criada para o efeito. Um hobby, que tinha começado para me distrair do luto, acabou por se tornar numa mudança de carreira. Irónico, porque nos últimos tempos tinha vindo a fazer mentoria de pessoas em mudança de carreira para UX. A vida é surpreendente.
Nesta jornada de que vos falo, e que podem acompanhar em @bohotanic.pt, tenho partilhado as minhas formulações de produtos cosméticos orgânicos e sustentáveis e tem sido servido também como um playground para aplicar muitas das competências adquiridas ao longo dos anos numa carreira corporativa. A primeira e a mais importante: tomar decisões de forma lean e trabalhar com base no feedback dos meus potenciais clientes, sempre tentando validar um conjunto de premissas, que, enquanto empreendedora, me vejo a fazer. Acredito, ainda, que o facto de ter lançado um projeto que nem sequer estava pronto e que nem sabia no que ia dar, e mesmo assim avançar e lidar perfeitamente com essas incertezas, vem de toda a minha experiência enquanto UXer. Ao longo dos anos, vi alguns negócios e carreiras falharem por medo de experimentar, de errar, de pedir feedback. Assisti à construção de produtos digitais com base apenas nas necessidades e crenças do CEO, sem auscultar potenciais clientes e mercado. A adicionar a isto, o facto de só estar predisposto a partilhar com o mundo algo quando estiver perfeito é talvez o maior erro de todos, e que, desde cedo, tentei evitar. A minha estratégia é puramente lean: construo, partilho, recolho feedback e itero, utilizando as ferramentas que estão ao meu alcance neste momento. O cliente, tal como em UX, continua a ser o coração do meu trabalho.
De UX Designer a Empreendedora de Cosmética Orgânica e Sustentável, a Sónia está numa jornada de criar uma marca de rituais de beleza para as pessoas e para o planeta.
O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.