Muito se tem dito e escrito sobre a derrota da Seleção Portuguesa com a Espanha, que impediu Portugal de chegar à fase final da Liga das Nações. Nas redes sociais e em grupos de Whatsapp, constatei que Cristiano Ronaldo e Fernando Santos foram os mais visados pela crítica. Na minha opinião, o problema é mais profundo do que o melhor jogador Português de todos os tempos ou o treinador que mais troféus conquistou pela nossa Seleção, assim como o problema é maior do que uma derrota e (mais) uma fraca exibição.
Uma segunda parte cinzenta e amorfa foi o prelúdio da queda, que seria confirmada com o golo de Morata ao cair do pano. No final do jogo, as televisões focaram Cristiano Ronaldo e Fernando Santos, como espelho do desalento que assolou toda a equipa. Corrijo, não foi apenas toda a equipa, mas todos os Portugueses, incluindo os milhares que se encontravam nas bancadas do estádio.
A desesperante exibição de ontem foi apenas mais uma da era Fernando Santos, numa sequência de futebol pobre e sem ideias que há 4 ou 5 anos caracteriza a Seleção Portuguesa. O principal culpado deste deserto que Portugal atravessa não é Cristiano Ronaldo nem Fernando Santos, como tantos afirmam. O principal responsável por esta travessia do deserto é a própria Federação Portuguesa de Futebol.
Não me interpretem mal. Fernando Santos deu-me, até hoje, a maior alegria de sempre em termos futebolísticos, com a conquista do Euro 2016. Mas, neste momento, só dá tristeza e embaraço pela forma como está a desperdiçar uma geração extremamente talentosa. O seu ciclo já terminou há muito e na Federação não há quem tenha a coragem de o fechar de vez.
Assim como não há coragem para fechar esse ciclo, também não há coragem de Fernando Santos para gerir o lugar de Cristiano na Seleção. O Selecionador já devia ter-se sentado com o jogador e explicar-lhe que, apesar de tudo o que deu a Portugal e do atleta extraordinário que é, nesta fase há outros jogadores que conseguem acrescentar mais ao jogo da Seleção do que ele. Mas, que continua a contar com ele como uma alternativa válida dentro de campo e como líder fora dele.
Não me interpretem mal aqui também. Cristiano é um jogador fabuloso, para mim o melhor de sempre, e tem sido fantástico ao serviço de Portugal. Poderia estar aqui a tecer elogios a Cristiano, mas isso daria, só por si, para escrever outro texto. Contou-me quem com ele priva (e treina/joga) que é de uma dedicação e profissionalismo ímpar, colocando a fasquia muito mais acima do que os outros à sua volta. Mas, já se encontra na fase descendente da carreira e já não tem condições para ser um titular indiscutível, mais ainda olhando para as restantes alternativas que a Seleção tem.
Em Portugal, e penso que no futebol principalmente, continua-se a não saber fechar os ciclos. Prolonga-se a ligação das pessoas a um clube ou instituição por “gratidão” pelos serviços prestados até então. Li por todo o lado, em resposta a críticas ao selecionador nacional ou ao nosso capitão, que se estava a demonstrar ingratidão pelo que eles já tinham feito por Portugal. É uma aberração que se justifique a manutenção do status quo com “dívidas de gratidão”, relegando o mérito e a capacidade atual para segundo plano. Acho até patético que se defenda a titularidade de Cristiano simplesmente por “gratidão”, como se se tratasse de uma esmola a um pobre coitado que já nos deu tanto mas que agora já não está em condições de oferecer o mesmo.
O grande problema aqui é as pessoas não conseguirem entender o óbvio: o facto de uma pessoa ter sido muito importante na história da instituição, não lhe deve permitir ter um lugar vitalício na mesma, pois isso significa colocar o indivíduo acima da própria instituição, num ato de pura soberba. Recordo, por exemplo, que a gratidão não impediu que Éder ficasse de fora da fase final do Mundial 2018. Não se pode viver da gratidão eterna, sob pena de o nosso triste fado ser recordar o passado feliz que já não volta
Não defendo a exclusão de Cristiano da Seleção nesta fase da sua carreira, porque acredito que ainda tem algo a dar à equipa, mas é notório que já não tem condições para ser um titular indiscutível. Principalmente quando olhamos para o que está a ser esta época, ausente da pré-temporada e tendo feito apenas 378 minutos em 8 jogos (média de 47 minutos/jogo), é surreal que, para estes dois jogos, Fernando Santos o tenha colocado a titular e a fazer os dois jogos até ao fim.
Nas condições atuais, parece-me quase desrespeitar jogadores como Diogo Jota, Rafael Leão ou João Félix preteri-los do 11 inicial em detrimento de um jogador que quase não jogou esta época. Mais, a insistência contínua num modelo de jogo que canaliza toda a equipa para servir Cristiano, tem colocado em sub-rendimento e muitas vezes fora de posição jogadores que, neste momento, têm muito mais para acrescentar à equipa do que CR7, casos de Bernardo Silva e Bruno Fernandes logo à cabeça.
Com isto, não é por isso de estranhar a decisão de Rafa de abdicar de representar Portugal. Penso até que, neste momento, qualquer Português se sente pouco representado por esta equipa sem chama, sem alma e sem identidade.
Dias antes do jogo com a Espanha, Fernando Santos dizia que o melhor ainda estava por vir. No final deste jogo, o selecionador nacional disse que Portugal tinha de manter o seu padrão de jogo, independentemente do adversário. Quero muito acreditar na primeira premissa, mas se mantivermos a segunda, dificilmente o melhor estará por vir. Dizer que Portugal tem um padrão de jogo é um eufemismo, pois mais não temos do que uns rasgos de individualidade que, num dia bom, podem trazer a vitória para o nosso lado. O melhor poderá estar para vir, mas dificilmente será com Fernando Santos ao leme. Oxalá esteja enganado.
Termino com uma referência aos meios de comunicação e ao pacto de não-agressão estabelecido entre estes e a Federação há já vários anos, que transforma o escrutínio em mera desculpabilização.
Aqui em Portugal, os meios de comunicação foram perentórios na análise ao jogo com a Espanha: foi azar. Lá fora, os meios de comunicação não têm dúvidas em apontar o dedo a Fernando Santos como principal responsável pela miséria do futebol apresentado pela Seleção. Também por aqui se foi baixando a fasquia cada vez mais, pois em vez de se procurar a raiz do problema, procura-se justificar o insucesso com fatores alheios ao nosso controlo e que pouco dizem do pouco que se joga.