Se não é um dos raros portugueses com salário elevado nem tem heranças, sabe que em Portugal, de norte a sul, trabalhar não chega para arrendar e, muito menos, é suficiente para comprar uma casa.

Não se trata de uma opinião pessoal que partilhamos. É um facto. Tal como o é dizermos que a falta de oferta na habitação se transformou num drama estrutural português que, em muito, é o responsável pela tardia saída de casa dos pais e pelo envelhecimento da nossa população.

Sim, somos o país da UE onde se sai mais tarde de casa dos pais. Em média, os portugueses fazem-no já depois dos 33 enquanto os suecos, por exemplo, começam a viver sozinhos aos 19 e os europeus se emancipam aos 26.

As consequências são evidentes. Ao sair tarde de casa dos nossos pais, acabamos a constituir família mais velhos e, obviamente, temos menos filhos. Foi assim, com menos crianças e mais idosos, que nos transformámos no país da UE que está a envelhecer mais rapidamente.

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E se é verdade que os nossos salários são insuficientes, baixos e, tantas e tantas vezes, indignos, também não é menos verdade que o problema na habitação é uma crise de oferta e procura.

Trocando por miúdos: faltam casas no mercado e, como há poucas disponíveis, os preços das existentes disparam e tornam-se incomportáveis para os residentes em Portugal que, cada vez mais, são obrigados a viver em quartos partilhados e a ficar com pouca – ou nenhuma – capacidade financeira.

Apesar de se tratar de uma verdade de La Palice, passamos demasiado tempo a debater com base em mitos, esquecendo os factos, e, por isso, chegando às soluções erradas.

O primeiro mito nasce dos que acham que se trata de uma questão conjuntural. Infelizmente, existe mesmo quem em Portugal ignore por completo que há um drama à volta da habitação e que se trata de um problema estrutural. Será, provavelmente, o caso do governo que há sete anos nada faz sobre esta matéria – alertaram, e bem, Luís Montenegro e o PSD nos últimos dias.

Simultaneamente, há um segundo mito com origem na velha ordem da inveja nacional e nos preconceitos ideológicos contra a iniciativa privada que, como sempre, fazem com que se manipule todo e qualquer debate nacional.

Só isso pode levar alguns a afirmar que a falta de casas em Portugal se deve ao alojamento local e ao investimento estrangeiro no país… como se só houvesse falta de casas em Lisboa, no Porto e em mais dois ou três centros de grande interesse turístico onde, de facto, proliferaram os Alojamentos Locais. A verdade é que desconhecem – ou querem desconhecer –, que o drama de encontrar casa para viver, ainda para mais a um preço aceitável, é transversal a todo o país.

Apesar dos mitos, o facto é simples: em praticamente todo o país, falta oferta no mercado. Esclareço que falta habitação disponível a boas condições e, não propriamente, casas.

Isto porque, na verdade, em 1991, tínhamos 9 milhões e setecentos mil alojamentos familiares clássicos. Já em 2021 tínhamos 10 milhões e quase 200 mil casas e, hoje em dia, Portugal não tem mais residentes do que tinha há 30 anos atrás. Na verdade, somos mesmo dos países da OCDE com maior número de casas por mil habitantes: 580. O problema é que temos mais de 735 mil casas vazias.

Ainda que a construção de nova habitação possa ser importante para ajudar a dar resposta ao problema – para tal é fundamental não só uma reforma fiscal como, acima de tudo, uma revolução nas burocracias que elimine os obstáculos legais existentes (e especialmente expressivos no interior) e as injustificáveis demoras no licenciamento (que só estimulam a corrupção) –, no imediato, a grande prioridade dos decisores portugueses deve passar por encontrar soluções para colocar as casas existentes no mercado.

É necessária uma verdadeira revolução que reduza/elimine impostos e taxas para incentivar o arrendamento, a construção/requalificação para o arrendamento e a venda de habitação, e, fazendo a devida separação entre casa utilizada e não utilizada, que aumente decisivamente a carga fiscal sobre o património abandonado.

O objetivo tem de ser claro: aumentar a oferta habitacional disponível. Para o atingir, o papel do poder público não se pode limitar à criação de condições fiscais que incentivem os privados a participar no processo.

Muitas vezes, os particulares não têm capacidade financeira para fazer os investimentos necessários ou, fruto do centralismo que assola o país e/ou das circunstancias familiares de cada um, estão demasiado longe do seu património para se sentirem motivados a requalificar. O poder político não se pode resignar perante estes obstáculos.

Se, através do fundo ambiental, andamos todos a pagar a requalificação energética de casas (troca de janelas, colocação de painéis solares, bombas de calor, etc.), porque razão não criamos um programa nacional de apoio à requalificação para o arrendamento?

E, indo mais longe, se o bloqueio dos privados estiver na distancia para as suas propriedades e na problemática da gestão das requalificações nessa circunstancia, porque é que as autarquias não criam programas de incentivo e, até, de execução dessas obras de requalificação?

No fundo, defendo aqui a criação de um conjunto de programas públicos de incentivos financeiros e de execução dirigido a quem tenha património abandonado e o possa querer requalificar, com a evidente condição sine qua non de o colocar, a preços controlados, no mercado de arrendamento por um, longo e pré-estabelecido, período de tempo.

Por fim, fique a saber que o próprio Estado tem mais de 700 imóveis inativos, devolutos ou abandonados. Sim, leu bem. Todos os dias sabemos de alguém desesperado em procura de casa e o governo tem quase mil imóveis parados de norte a sul do país. Parece impossível, mas não é.

Torna-se urgente, diria mesmo obrigatório, que o governo analise o património publico existente e, com a maior brevidade possível, o dote das características habitacionais necessárias e o disponha no mercado habitacional de arrendamento a preços acessíveis – já agora, perdoe-me o aparte, seria bastante útil que aproveitassem a análise para acabar com o escândalo de alguns negócios ruinosos de arrendamento feitos para instalar serviços públicos em edifícios privados nas mesmas cidades onde o Estado tem imóveis ao abandono.

Tudo para resolver aquilo que deveria ser uma evidencia num país de economia aberta com preocupações sociais: a questão da habitação é um problema estrutural de falta de oferta que só irá encontrar solução com incentivo e regulação pública.

E, acredite, só com mais casas no mercado, trabalhar será suficiente para arrendar e, perdoe-me a utopia, quem até para comprar sem sufocar.