A França tem sido pioneira na inovação política: foi pioneira no absolutismo monárquico, com Luís XIV; foi pioneira com a revolução e a ditadura popular em 1789-1794; retomou o cesarismo com Napoleão em 1804; inaugurou as novas revoluções democráticas em Fevereiro de 1848; foi o primeiro Estado a estabelecer o sufrágio universal masculino, também em 1848.

Com a derrota de 1870-1871 frente à Prússia-Alemanha de Bismarck, a França ficou abalada, mas não o seu pioneirismo ideológico e político. Assim, logo a seguir à derrota, teve a primeira revolução comunista vitoriosa, com a Comuna de Paris em 1871; teve também, nos finais do século XIX, movimentos nacionais-populistas em que alguns autores, como Zeevv Sternhell, quiseram ver o “nascimento da ideologia fascista”; e teve, mesmo no fim desse século, com a Action Française, o nascimento de um movimento elitista de direita nacional e autoritária, pioneiro na teorização e na prática do poder cultural gramsciano.

Este pioneirismo político parece ter-se desvanecido no século XX, embora o gaullismo e o Maio de 68 tenham o seu vanguardismo em termos de eventos, momentos ou regimes políticos.

Presidenciais 2027

Foi pensando nestes antecedentes que vi no semanário conservador Valeurs Actuelles o resultado de uma sondagem do Institut Français d’Opinion Publique sobre os resultados da eleição presidencial francesa de 2027. Trata-se, evidentemente, de uma sondagem – e de uma sondagem para uma eleição que vem ainda longe –, mas que pode, anda assim, ajudar-nos a avaliar o estado de espírito político da opinião pública e do eleitorado francês. E sobretudo a sua dinâmica e tendências.

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A eleição presidencial em França é em duas voltas: na primeira volta vota-se por quem se gosta; na segunda vota-se, sobretudo, contra quem não se gosta.

Os grandes grupos políticos em França são a Esquerda, representada pela France Insoumise, de Jean-Luc Mélenchon; o Centro do actual Presidente, Emmanuel Macron, representado pela Renaissance (que Macron fundou em Abril de 2016 como En Marche,  passando depois a La République en Marche e, finalmente, em 2023, a Renaissance); o Centro-Direita, a direita liberal-conservadora de Les Républicans, nascidos em 2015 da Union pour un Mouvement Populaire de 2002, vinda dos antigos partidos gaullistas e giscardianos; e, finalmente,  a Direita Nacional do Rassemblement National (ex- Front National) de Marine Le Pen, do Reconquête de Zémmour e de Marion Maréchal e do pequeno partido nacionalista de Nicolas Dupond-Aignan.

Segundo a sondagem, se as eleições presidenciais fossem hoje, numa primeira volta, Marine le Pen teria 36% dos votos, seguida com 22% pelo candidato da Macronaria (quer fosse o actual primeiro-ministro Gabriel Attal, quer o antigo, Édouard Philippe). Em terceiro lugar, viria o esquerdista radical Jean-Luc Mélenchon, com 14% e em quarto lugar ficaria Éric Zemmour, da Reconquête, com 6%.

A novidade é que, numa segunda volta, Marine Le Pen venceria por 51% contra os 49% Gabriel Attal; e empataria 50%-50% com Edouard Philippe. Na hipótese, considerada altamente improvável, de se bater na segunda volta contra o candidato da Esquerda Unida, Jean-Luc Mélenchon, ganharia por 64% contra 36%.

Estes números denotam uma subida muito rápida de Marine. Em sondagens anteriores, em Março de 2023, Le Pen tinha 29%; em Outubro do mesmo ano, 31%; em Janeiro de 2024, 33%, e agora 36%. Estas subidas estão ligadas aos distúrbios de Julho passado, a homicídios cometidos por imigrantes ilegais, à legislação sobre imigração e à crise e revolta dos agricultores. Em menos de um ano, a líder da direita nacional progrediu 7 pontos nas sondagens. E nenhuma das razões desse progresso se desvaneceu.

O perfil dos seus eleitores é o perfil dos eleitores dos movimentos nacionalistas populares em toda a Europa e na América do Norte: 74% são operários e 61% comerciantes e empregados; isto é, há uma forte mobilização entre as classes baixas e médias baixas e mais fraca entre a burguesia e os quadros médios superiores. Porém no caso de Le Pen enfrentar Mélenchon, teria com ela 70% das classes médias e médias altas e 81% dos reformados.

Europeias 2024

Passando ao futuro próximo – as eleições europeias de 9 de Junho – o Rassemblement, tendo como cabeça de lista o presidente do partido Jordan Bardella, teria, segundo uma sondagem IFOP-Fiducial para Le Figaro e Sud Radio, 29% das intenções de voto; a seguir, com 14%, viria a Renaissance de Macron, ainda sem cabeça de lista designado. Seguir-se-iam os socialistas, liderados por Raphaël Glucksmann do Place Publique, com 10%; os ecologistas, com 8%, os Insubmissos com 7%, os Republicanos com 7% e a Reconquête de  Marion Maréchal (neta de Jean-Marie Le Pen e sobrinha de Marine) com 6%.

Um estudo do European Council on Foreign Relations, de 24 de Janeiro último, regista a descida dos partidos do centro, socialistas e verdes e a subida correspondente dos dois grupos de direita. O Identidade e Democracia, onde estão o Rassemblement e a Lega italiana, passaria de 58 para 98 lugares, ficando como terceira força no Parlamento europeu; os Conservadores e Reformistas europeus, onde estão os Fratelli d’Italia de Georgia Meloni, o Vox e os polacos do PIS, subiriam de 67 para 85 lugares. Se assim for, as direitas nacionais e conservadoras europeias ficarão com 183 deputados.

Não admira que comentadores, articulistas, analistas e fundistas andem tão preocupados.