Era uma vez um alemão que, ao entrar em França, foi interrogado:

– Ocupação?

– Não, desta vez não venho ocupar, mas de férias.

Felizmente, o amável Fritz estava de ‘vacances’, mas já houve outros Fritzs que foram a França para a invadir, como aconteceu na segunda Guerra Mundial.

Agora, que o Presidente da República abriu a caça às reparações históricas, seria bom lembrar que o nosso país, para além de ‘culpado’ pela invasão e colonização das suas ex-possessões ultramarinas, pelas quais deveria, segundo o mais alto magistrado da nação, indemnizações, também foi vítima de não poucas invasões.

Consta que os primeiros invasores da península foram os fenícios que, por volta de 1.200 a. C., por cá estabeleceram algumas feitorias. Seguiram-se os cartagineses, cujos domínios passaram para os romanos, a partir do século III a.C. Depois foram as invasões dos bárbaros, ou germânicos: os vândalos e alanos destruíram o que puderam, a caminho do norte de África, mas os suevos instalaram-se na faixa ocidental da península. Os visigodos chegaram à Hispânia em meados do século VI, e por cá ficaram.  A invasão árabe começou em 711 e, dois anos depois, os muçulmanos já dominavam grande parte do Alentejo, escravizando os seus habitantes e impondo-lhes pesados impostos. Só em 1249, cinco séculos depois, foi possível, graças à reconquista, expulsar os invasores maometanos do Algarve. Com o intuito de se apoderar do trono português, D. João I de Castela invadiu o nosso país, sendo vencido pelas tropas do seu homónimo português. Mais tarde, Filipe II de Espanha, para vencer as resistências à sua pretensão ao trono lusitano, trouxe consigo as tropas castelhanas, de que só nos vimos livres em 1640, com a restauração da independência nacional. Com as três invasões francesas, em 1808, 1809 e 1810, Portugal foi de novo saqueado por um exército estrangeiro.

Foram avultados os danos materiais e morais causados por estas sucessivas invasões de que fomos vítimas e que importa avaliar. Por exemplo, é provável que os fenícios, que fundaram feitorias no nosso país, sejam os responsáveis por não sermos um país de filósofos – o que poderia ter acontecido se tivéssemos sido uma colónia grega –, mas de comerciantes, ou seja, de Oliveiras da Figueira. Os cartagineses roubaram os nossos minérios e os romanos cometeram imperdoáveis atentados ambientais: não só as suas estradas estragaram o nosso habitat natural, como também maltrataram a fauna pois, entre outras atrocidades, davam a comer indigestos cristãos aos pobrezinhos dos leões. Aos celtas, de tez e cabelos claros, devem-se, entre outras desgraças, as loiras das anedotas, embora também as haja inteligentes e muito competentes. Os genes dos vândalos, que nem sequer no dicionário deixaram boas recordações – vandalizar é sinónimo de destruir e danificar –, estão patentes nos finalistas do ensino secundário que, nas suas viagens de fim de curso, fazem gala em honrar essa herança genética, vandalizando os hotéis espanhóis por onde passam. Os castelhanos, que a padeira de Aljubarrota repeliu com ânimo varonil, ficaram com a nossa Olivença. Os franceses pilharam o nosso país, levando para a sua terra, à laia de souvenir, o que conseguiram roubar, como ainda hoje acontece em Paris e noutras cidades francesas, quando a malta dos arredores se sente injustiçada e precisa urgentemente de um relógio Cartier, de um perfume Chanel, de um vestido Dior, ou de uma mala Vuitton.

Infelizmente, quando o nosso querido líder falou em reparações históricas, foi mal interpretado pela maldosa comunicação social: é óbvio que não estava a pensar nas que eventualmente temos que pagar, mas no muito que, como se provou, temos a receber! Por isso, há que criar urgentemente, na presidência da República, um departamento de ajuste de contas internacionais.

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A verdade é que as sucessivas invasões de que fomos vítimas podem ser muito rentáveis para o país. Por exemplo, à conta das invasões dos bárbaros, deve-se exigir uma choruda reparação à Alemanha, que é potência de muitos cabedais. Quanto aos árabes, que invadiram a península e só a muito custo a deixaram, não seria má ideia cobrar os danos pela sua ocupação em barris de petróleo, combustível que escasseia por cá, mas abunda na terra deles (como os camelos, mas esses temos cá com fartura). Em relação aos “nuestros hermanos”, é verdade que a malta liceal costuma cobrar-lhes caro, mas, sem desfazer desse seu gesto patriótico, também podiam devolver-nos Olivença e, já agora, Ceuta. Mais fácil ainda é a reparação a exigir aos gauleses, à conta das invasões francesas, porque ainda há vestígios de alguns dos danos que causaram, por exemplo, nos túmulos de D. Pedro e da bela Inês de Castro, em Alcobaça.

Se a invasão e colonização, por um povo estrangeiro, exige a devida reparação, o mesmo se diga da abusiva residência de um cidadão não nacional no nosso país. Com efeito, os forasteiros consomem o nosso oxigénio, bebem a nossa água, usam as nossas praias, pescam o nosso peixe, circulam nas nossas estradas e consomem os frutos da nossa terra. Segundo a lógica que preside às reparações estatais, isto exige uma indemnização, até porque uma invasão e colonização não são mais do que a soma de muitas invasões pessoais: se um Fritz incomoda muita gente, muitos Fritzs incomodam muito mais!

Implementado o princípio do utilizador/pagador para as autoestradas, instaure-se a regra do invasor/reparador para os hóspedes estrangeiros. A partir de agora, ninguém mais nos deve invadir de graça. Se os investidores, para terem direito ao visto golden, têm de desembolsar 500 mil euros, que os invasores individuais paguem outro tanto, como caução pelos eventuais danos que causaram.

Animado pelo nosso Presidente, vou até mais longe: também deveríamos indemnizar os mouros e judeus expulsos por D. Manuel I! Mas, como não eram originários de cá, mas do Norte de África e da Palestina, respectivamente, e primeiramente nos invadiram e colonizaram, devem-nos uma reparação por isso. Como nós também lhes devemos uma indemnização pela sua expulsão, às tantas a coisa até fica ela por ela, ou seja, ficamos quites e não se fala mais nisso.