No meu percurso escolar, numa escola secundária em Queluz, fui vítima de bullying. A situação decorria no campo onde estes comportamentos ocorrem na maioria das vezes: o verbal. Após uma série continuada de insultos e maus tratos psíquicos a situação acabou por se resolver através de uma tomada de posição forte, mas não física nem verbal e de uma consciência por parte do bullyer em que o acompanhamento por uma rede de amigos e colegas se revelou fundamental. Mas isso não acontece com a maioria das crianças vítimas de bullying em contexto escolar. Nem sempre os pais sabem o que está a acontecer. A criança sabe. Os bullyers sabem e os professores também. A Escola sabe, mas ou não quer saber, ou não reage nem toma medidas perante uma situação que se agrava de dia para dia, com consequências emocionais e psicológicas que podem ser potencialmente muito graves e que ocorre dentro do seu recinto, em sala de aula – o que é inadmissível – e, sobretudo, nos momentos de recreio – o que é inaceitável. Numa fase inicial (que pode evoluir, para pior, a qualquer momento, se existir inércia e passividade da direcção e dos professores) o bullying ocorre numa fase verbal, não se materializando em agressões físicas ou em ciberbullying, mas se houver reforço de outros alunos do grupo do agressor é apenas uma questão de tempo para a situação se agravar e degenerar até um ponto que é impossível de prever mas com consequências potencialmente muito graves para a vítima.

Para prevenir estes fenómenos a escola deve começar por no seu regulamento interno incluir regras e medidas específicas para denunciar ou combater este tipo de situações. Essa presença facilita a qualidade e eficácia da reacção da comunidade escolar ao problema e enquadra a resposta do professor onde a situação primeiro ocorreu. É este quem deve ser contactado, de forma pessoal e directa, no primeiro dia em que o primeiro evento de bullying teve lugar: é este que deve reagir e criar condições para que novos eventos não tenham lugar sobretudo em sala de aula e que também no seu exterior, em momento de recreio e pausa entre aulas. Se este professor se revelar inerte ou pouco sensível para o problema, há que falar directamente com a direcção da escola. Com efeito é a esta que no âmbito do Estatuto do Aluno (Lei n.º 51/2012) compete agir em caso de “perigo para a segurança, saúde, ou educação do aluno, designadamente por ameaça à sua integridade física ou psicológica” e é esta que deve comunicar o caso “à comissão de proteção de crianças e jovens com competência na área de residência do aluno ou, no caso de esta não se encontrar instalada, ao magistrado do Ministério Público junto do tribunal competente” e, sobretudo, realizar políticas e práticas que dissuadam estes fenómenos e que garantam a sua rápida e eficaz resolução. Assim sendo é também juridicamente responsável pela falha ou inépcia na aplicação do Estatuto do Aluno.

O que devemos fazer nestas situações?

  1. Comece por tomar nota de todas as ocorrências, anotando o dia, a hora e o local, assim como os nomes de todos os envolvidos, alunos e professores.
  2. O bullying não é aceitável nem tolerável: sobretudo em contexto escolar. Representa uma falha sistémica da organização que o permite e tolera e exige uma resposta rápida e eficaz por parte dos educadores e da direcção escolar. Logo que tome conhecimento de que está a ocorrer contacte primeiro o professor responsável e depois – na falta de reacção eficaz por parte deste – a direcção da escola.
  3. A criança vítima de bullying deve, na medida do possível, ignorar as provocações: os provocadores alimentam-se do dano criado, quando maior for a sua percepção desse dano, mais mal farão e mais capital de crédito irão recolher junto do seu “bando”. De seguida, deve evitar os bullyers e os locais onde estes se reúnem, sempre que for possível. Deve procurar o apoio de amigos e colegas e procurar conviver com eles. O bullyer é fraco e só age quando sente o apoio do “bando” se a vítima estiver acompanhada terá menos condições para agir e menos plateia para fazer a sua pequena peça de teatro de poder.
  4. Para manter a sua segurança a criança vítima de bulling deve ter sempre à mão o seu telemóvel e associar a tecla de fast dial à dos pais por forma poder, muito rapidamente, ligar para eles em caso de emergência. Deve informar sempre os pais sobre o local onde está e a que horas deve chegar a casa. Se estiver em situação de bullying deve afastar-se e procurar locais movimentados e onde estejam muitas pessoas ou, se dentro da escola, professores. Se sentir que está a ser fisicamente ameaçado, dentro ou fora da escola, deve ligar para o 112 por forma a que o profissional que o atenda possa enviar para o local os meios que forem adequados para lidar com a situação.

Em Portugal, infelizmente, não existe um crime específico de violência escolar ou bullying. E é de lamentar que assim seja porque a sua simples existência poderia servir de dissuasor a estes comportamentos quer junto dos seus autores quer porque fazendo da situação um crime público permitiria que o Ministério Público agisse dispensando a existência de uma queixa formal. Esta lacuna é o primeiro problema que importa resolver. Esta lei existe em países como o Brasil (desde 2016), EUA e Reino Unido (entre outros) e explica porque é que Portugal está na lista de 15 países com maior incidência deste fenómeno estando até, pasme-se, bem à frente dos EUA nesta infeliz listagem. É verdade que temos o “Estatuto do Aluno e da Ética Escolar” (Lei n.º 51/2012) que nos “deveres do aluno” procura prevenir a ocorrência de bullying através de um cardápio de medidas disciplinares correctivas e que inscreve o preceito “contribuir para a preservação da segurança e integridade física e psicológica de todos os que participam na vida da escola” (artigo 43) prevendo contraordenações para os educandos que perturbem a “vida escolar”. Mas falta precisão. Falta detalhe e enquadramento para a situação de assédio escolar ou bullying e é nesta omissão que estes comportamentos florescem e se desenvolvem: a omissão convida à prática. A lentidão na reacção convida à repetição e à impunidade reiterada.

Embora o legislador não tenha sido diligente (apesar de uma tentativa frustrada em 2010) existe algum enquadramento legal para o bullying. Se chegar ao ponto de uma agressão física isso é passível de pena pelo Código Penal (punível com pena de prisão de até 3 anos ou multa). Se se tratar de uma agressão verbal aplica-se o crime de injúria (pena de prisão de até 3 meses ou multa até 120 dias). Recorde-se que, em Portugal, os menores entre os 12 e os 16 anos não gozam de inimputabilidade penal, e estão sujeitos à aplicação de medidas tutelares educativas previstas pela Lei e que os tenham entre 16 e 21 anos estão sujeitos ao regime aplicável a jovens delinquentes (Decreto-Lei n.º 401/82). Falta a tipificação e o enquadramento adequado para o bullying mas as autoridades não estão desprovidas de mecanismos para agirem em situações deste tipo. Mas precisamos de reforçar esse enquadramento impreciso e generalista com legislação mais precisa e específica, que obrigue as escolas a agirem e a enquadrarem a prevenção e reacção a este comportamentos desviantes e que pela sua simples existência sirva de dissuasor aos seus praticantes. Por fim, precisamos de acção por parte do nosso legislador e de acção imediata por parte de todas as direcções e professores que ainda não acordaram para a gravidade do problema!

Activista, dirigente associativo, pai preocupado e cidadão.

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