Num momento de inegável argúcia política, o insubstituível Vasco Pulido Valente baptizou esta solução governativa de “geringonça”. Paulo Portas, percebendo que morte desta envergonhadamente concebida aliança seria lenta devido aos ventos favoráveis da Europa, deixa o parlamento, mas não sem garantir que o termo ficava carimbado na história da política nacional.

A imagem de uma geringonça, um mecanismo de utilidade duvidosa, insuficientemente pensada, defeituosamente construída, que desperdiça demasiada energia para gerar mais fumo e ruído do que funcionalidade, foi recebida com horror pelos inúmeros comentadores de esquerda que tanto pululam nas televisões, rádios e jornais. Não conseguindo abafar o uso da palavra tentaram uma solução orwelliana de lhe mudar o significado, como se existisse algo de carinhoso ou neutro no seu significado. Não havia. Nem há. Como qualquer outra geringonça, o resultado final é a sua própria destruição, consequência natural da sua incapacidade de conseguir que as suas componentes trabalhem num mesmo sentido e com um desfecho louvável.

Nos últimos anos, o PS vinha-nos habituando a orçamentos cada vez mais irrelevantes e fantasiosos. Mesmo o que lá colocavam era pouco consequente, já que o governo (e em particular o primeiro-ministro e o ministro das finanças) vinha-se habituando a cumprir apenas o que lhe apetecia, passando a perna aos seus parceiros de geringonça e até aos restantes ministros.

Em qualquer caso, este era mais um orçamento, sem a mais pequena tentativa de fazer crescer o país. Fala-se de salários e pensões, de distribuir dinheiro aqui e ali, mas em nenhum momento tenta deixar para o futuro um país mais moderno e funcional do que aquele que recebeu. Uma Justiça parada e humilhada, mas na qual o governo não quer tocar, ignorando tanto as propostas do sector como as feitas pela própria ministra da Justiça. Uma dívida pública esmagadora que nunca parou de subir em valor absoluto e que só foi ligeiramente disfarçada pelo crescimento do país e os juros baixos garantidos pela Europa. Um sistema de saúde que ao focar-se no COVID deixou cair tudo o resto, atrasando milhões de consultas e centenas de milhares de cirurgias. Uma educação pública que todos os anos se afunda em relação à privada. E nem vamos falar dos 600 mil computadores que foram prometidos há mais de um ano aos pobres jovens, e que teria sido essencial para o ensino à distância que foi necessário durante a pandemia. Uma economia dependente e anémica durante décadas.

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O PS simplesmente deixou de tentar fazer crescer o país, desistiu dele e imagina-o apenas como um apenso da grande economia europeia. Sem qualquer utilidade especial, simplesmente vivendo à custa de fundos europeus enquanto estes não secarem. Quando cresce, isso acontece não devido ao PS mas apesar do PS.

Longe vão os tempos dos governos reformistas que verdadeiramente procuravam modernizar o país. Podemos concordar ou discordar com os antecessores de António Costa e a sua malfadada geringonça, mas basta olharmos para os diferentes governos de variados partidos e coligações e conseguimos encontrar uma visão que, de alguma forma, tentaram implementar.

Nos últimos 35 anos tivemos Cavaco Silva, que investiu em infraestruturas como pontes, autoestradas, tribunais e universidades. Abriu o país à iniciativa privada e ao investimento directo estrangeiro e expandiu a comunicação social, com abertura de novas televisões, rádios e jornais. António Guterres continuou a construir, finalizando a A2 e a Expo 98 com enorme sucesso, criou as Lojas do Cidadão e o Rendimento Mínimo Garantido procurando um Estado mais próximo das pessoas. Durão Barroso imaginava um Portugal mais anglo-saxónico, fiscalmente competitivo, que pudesse trazer mais investimento, e mesmo Santana Lopes, num curto consulado, teve a coragem de tocar nas leis de rendas e unificou o código do trabalho, duas áreas cuja burocracia travava a economia e o desenvolvimento nacional.

A este seguiu-se José Sócrates, que fez frente a poderosos lobis como as farmácias, lutou pela avaliação dos professores, procurou trazer investimento directo estrangeiro e investiu fortemente nas energias renováveis. Passos Coelho virou Portugal para as exportações, conseguindo em poucos anos uma balança comercial positiva e contas públicas suficientemente saudáveis, alcançando uma improvável saída limpa do programa da Troika depois de anos duríssimos.

Todos eles cometeram erros e precisaria de bem mais do que um parágrafo para explicar as discordâncias que tenho com as suas políticas e o seu pensamento excessivamente estatista, mas não tenho dúvidas de que todos tinham algum tipo de visão para o país que, melhor ou pior, se empenharam em implementar. O mesmo não pode ser dito do PS dos últimos 6 anos. Os mesmos ministros que com Sócrates procuraram – e em alguns casos conseguiram – reformar o país, converteram-se em meras figuras de decoração, sem qualquer independência intelectual ou poder próprio, nas mãos de um primeiro-ministro que sistematicamente coloca os seus interesses à frente dos de Portugal.

Se já não haveria muito a esperar de um orçamento deste PS, o desalento é completo quando vemos as exigências de BE e PCP. Onde o PS não mostrava a menor preocupação com o crescimento futuro do país ou em qualquer uma das suas inadiáveis reformas estruturais, os seus parceiros de geringonça nada acrescentam. As listas de exigências aumentam os salários da função publica, assim como o salário mínimo nacional, reclamam mais férias e melhores reformas, contratações colectivas e despesas na saúde. Tudo repleto de excelentes intenções, mas sem uma palavra que seja sobre como fazer crescer o país.

Isto é, na minha modesta opinião, algo especialmente intrigante. Os paraísos governados pelo tipo de regimes que o PCP e BE defendem podem ter levado as suas populações à mais absoluta indigência e opressão, mas não por falta de cometimento com o crescimento económico. Em todos eles, a necessidade de crescimento era uma preocupação constante e uma prioridade das suas totalitárias lideranças.

Lenine e Estaline tomaram particular atenção à produção agrícola e industrial, assassinando ou enviando para os Gulags centenas de milhares de camponeses e construindo gigantescas unidades fabris como a famosa Fábrica de Tractores Dzerzhinskiy de Estalinegrado. A criação de irrigações para a agricultura soviética foi de tal forma intensa que conseguiram secar praticamente todo o mar de Aral, outrora o quarto maior lago do mundo, no que terá sido um dos maiores desastres ambientais do século passado. A infame central nuclear de Chernobyl, o maior acidente nuclear civil de sempre, resultou não apenas da incompetência endémica do sistema comunista mas também da importância e urgência de garantir a energia vital para a produção industrial.

Durante o “grande salto em frente” a China de Mao Tse Tung procura uma rápida industrialização, forçando os camponeses a abandonar as suas tarefas e a produzir aço em improvisados fornos de quintal, causando milhões de mortos pela fome.

Como podemos ver por estes dramáticos exemplos, o crescimento económico está bem presente na ideologia e prática marxista, não obstante a sua manifesta incapacidade de o conseguir com um mínimo de eficácia, segurança e direitos humanos. Por algum motivo que me ultrapassa, a nossa variante lusitana não manteve qualquer preocupação de crescimento económico, facto que já sabíamos há muito e que este orçamento confirma. Um péssimo orçamento que piorava a cada dia que passava.

Livrarmo-nos de António Costa, o primeiro-ministro com o pior curriculum em termos de reformas e políticas de crescimento, é uma urgência e uma prioridade para a nação. E não será preciso nenhum génio especial para saber o que fazer a seguir. Basta abandonar os becos sem saída representados pelas soluções da extrema-esquerda.

Mais do que ter o Estado a fazer coisas, precisamos de um Estado que deixe fazer coisas. Como dizia o economista dinamarquês Steen Jakobsen recentemente em entrevista ao Observador: “se querem aplicar um conjunto de medidas que comprovadamente fizeram dos países escandinavos aquilo que são hoje, basta roubar as ideias. Ninguém leva a mal”.