Apreciei o discurso de Luís Montenegro na sua tomada de posse. Como a esmagadora maioria dos portugueses, espero que este governo seja bem-sucedido já que a qualidade das nossas vidas e de tantos que nos são queridos disso depende. E não chega fazer mais do mesmo. O reacionarismo militante, falta de visão estratégica e opacidade do governo anterior podem e devem ser atirados para o caixote do lixo da História. Só um governo corajoso, reformador e transparente nos poderá colocar novamente na rota certa.

Ao contrário dos muitos e muito enlutados socialistas com palco mediático, não me parece que a forma decidida como o novo Primeiro-Ministro apresentou uma série de urgentes reformas seja um sinal de falta de vontade de falar com a oposição. As negociações com todos os partidos do parlamento são naturais e será dessas cedências que a posição da AD poderá mudar, mas só um político particularmente inábil começaria já a negociar contra si próprio antes sequer de começar a conversar com os restantes partidos. Por outro lado, se há um mandato claro para este governo, é o de mudar a trajetória que vinha sendo seguida pelo Partido Socialista. Afinal de contas, perder 500 mil votos e uma maioria absoluta em 2 anos, acompanhada por uma redução violenta da abstenção e uma mudança sísmica do panorama político para a direita, deveria ser uma mensagem perfeitamente clara de que os portugueses buscam algo distinto do que têm tido. Se este governo não fizer tudo o que está ao seu alcance para cumprir esse desígnio dos portugueses, não é difícil de imaginar que o próximo sinal de mudança será ainda mais tumultuoso.

Como Damocles e a sua espada, este governo terá de trabalhar como um contratado a recibo verde. Sabe que pode ser despedido a qualquer momento. E como qualquer pessoa nesta situação contratual tem sempre presente, a melhor segurança que pode ter é ser diligente, competente e garantir que o seu trabalho é reconhecido. Quando tantos se dedicam à tática política e outras manhosices que aprenderam durante décadas nas jotas e nos gabinetes de nomeação que compõe quase exclusivamente os seus curricula vitae, o que eu proporia a Montenegro é que ignore o ruído e se dedique exclusivamente a mudar o que se propôs a mudar. Que abra os braços a quem o quiser acompanhar neste trajeto e deixe os restantes a dedicarem-se aos seus incansáveis ardis.

Certamente que a Iniciativa Liberal, o Livre e o PAN, conseguirão alinhar com uma agenda reformista nas áreas que lhes são mais caras. Os comunistas, pelo contrário, não precisam de grandes detalhes para saberem que já são contra o governo e tudo o que este faça (algo inteiramente expectável de um partido que simplesmente não defende o sistema democrático) e não tardará a descobrirmos que os neo-comunistas seguirão o mesmo caminho (outros cujas credenciais democráticas são só marginalmente menos duvidosas).

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Finalmente temos os grandes partidos da oposição: o Partido Socialista que durante 8 anos mostrou que a maior ambição que tem para o país é que absolutamente nada aconteça e por isso será contra toda e qualquer reforma digna desse nome; e o Chega que continuará os seus gritos de Einstürzende Neubauten, querendo destruir o que existe, sem qualquer ideia do que deverá ser construído a seguir ou como lá chegar.

Naturalmente que isso pode significar a queda do governo, caso o Partido Socialista e o Chega resolvam dar as mãos na mais profana das alianças. Os socialistas teriam de estender a mão aos que acusam de ser fascistas, enquanto o Chega abraçaria os que considera serem os corruptos que vampirizaram a nação. Mas nada disto deveria abalar Montenegro. Os outros que façam o que entenderem, e o que tiver de acontecer, que aconteça. O povo português saberá responsabilizá-los pelas suas ações nas urnas.

Se Montenegro cair, não será propriamente uma novidade na terceira república. Aliás, se calhar de cumprir os seus mandatos sem cair da cadeira, isso sim, seria inédito. Todos os Primeiros-Ministros desde o 25 de abril caíram. António Costa demitiu-se por suspeitas de corrupção. Passos Coelho viu o seu segundo governo cair com a geringonça. Sócrates despenhou-se quando o país chegou ao limiar da bancarrota. Santana Lopes foi demitido porque o presidente acordou amuado. Durão Barroso pôs-se a andar para um emprego melhor. Guterres saiu deprimido com o cheiro do pântano. Cavaco Silva viu o seu primeiro governo cair por… (consultar notas…) uma viagem a um país báltico. Soares colecionou governos caídos. E podemos continuar até ao dia da revolução. Em Portugal, legislaturas completas são relativamente raras e quedas de Primeiros-Ministros são banais. Não cairão os parentes na lama se Montenegro vir o seu governo ser interrompido, a não ser que isso aconteça por “indecente e má figura” para usar a feliz expressão de um seu antecessor.

Como tantas vezes nas nossas vidas, são muitos os factores que não controlamos. A nós só nos cabe fazer o melhor possível e esperar que os outros tenham a competência, lealdade e honestidade de cumprirem a sua parte.

“All we have to decide is what to do with the time that is given to us” (Gandalf)