Barulho de manhã à noite, permanente agitação, portas a bater, muita corrente de ar, gente a entrar e sair. Berros, discussões, lutas físicas, risos, abraços, confidências. Uns chegam, outros saem. Outros estão para ficar.

Família. Numerosa.

Vivi numa casa cheia. Éramos cinco contra cinco! Pai, mãe, e nós, manos, cada um na sua idade e cada um numa diferente fase da vida. Temos os mesmos pais, vivemos na mesma casa, temos as mesmas memórias. Recebemos a mesma educação e a mesma formação.

O sangue ninguém nos tira, os pais também não, aquilo que se viveu está vivido, mas com a educação e a formação cada um faz o que quer. Por muitas parecenças que possam existir, cada um é um, é único, e assim fomos e somos amados pelos nossos pais.

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Todos somos livres para optar e agir. Que escola escolher, que curso tirar, que percurso de vida seguir. A música? O desporto? A arquitectura ou a gestão?

Somos diferentes, sim. Muito! Por isso tem que existir mais qualquer coisa que nos una para além do sangue ou de uma vida vivida na mesma casa. Devemos dar à nossa família mais do que o simples amor que a palavra família implica – que já é muito, mas não chega. É esse laço inquebrável que celebramos a 31 de Maio, no Dia dos Irmãos.

Como é óbvio um irmão ama um irmão, pelo facto de ser seu irmão. Mas pode acontecer que não se conheçam bem, que não saiba um a vida do outro, não conheça os amigos com que sai, não se interesse pelos seus estudos, pelas suas dificuldades. Se não fossem irmãos, amar-se-iam?

Por vezes tenho de fazer este exercício de pensar: por que é que gosto da Mafalda, da Leonor ou da Joana? Quais são as suas qualidades? As suas virtudes? Os seus defeitos? Será que têm uma parte importante da sua vida que não me contam? Porquê? Têm medo? Não se sentem bem? Se não se sentem bem, qual é a razão?

Há muitas famílias assim. Conjuntos de pessoas que vivem debaixo do mesmo tecto. Os pais sabem de todos, mas cada irmão sabe de si. A razão só pode ser uma: falta de confiança. E a falta de confiança é falta de amizade. E vice-versa. Não funciona uma sem a outra.

A amizade é interessar-se pelos interesses do outro. Querer saber do outro, querer gostar do que gosta o outro. É difícil; e, por vezes, devido àquele saudável à-vontade que nos permite sem cerimónias dizer um “olha, vai passear” ou “não me chateies com os teus assuntos agora, que estou a descansar”, se não houver amizade entre irmãos, criam-se muros, autênticas barreiras. É preciso que uns precisem dos outros, que todos precisem de todos. Mesmo nas coisas práticas.

As mais novas sempre precisaram de mim, por exemplo, por causa da roupa e da maquilhagem, e as pessoas não fazem ideia da quantidade de discussões e confusões que isto pode implicar (e implicou, de facto) ao longo das nossas vidas. Mas isto é bom e é importante! Se cada uma tivesse as suas coisas (muitas vezes um grande desejo meu!), não teríamos vivido, nem dito, nem chorado, nem rido a quantidade de vezes que o fizemos. Pode ser uma enorme maçada, causar um grande desconforto, mau ambiente durante dias, mas são situações que os pais, pacientemente, devem aguentar ou deixar acontecer – porque fortalecem. É um caminho mais difícil; mais fácil seria “dar o carro a cada um” e o problema estava resolvido.

Daquele eu preciso da chave, do outro dá-me jeito a boleia, desta quero desesperadamente o seu blush…. mas, depois: daquela preciso da sua opinião sincera, da outra da sua alegria e sensatez, do primeiro a sua experiência e profissionalismo, do quarto a sua conversa e bom ambiente, dos últimos abracinhos, porque ainda continuam a ser uns grandes bebés.

Apesar de tudo o que nos separa, é sempre maior o que nos une. Cada um recebe aquilo de que precisa: a uns dá-se 20 e chega; a outros dá-se 100 e ainda é preciso dar mais. Assim funciona a família que é a minha.

Empresária