Esta semana assistimos à ameaça de uma terceira guerra mundial, com a tensão entre a Rússia e a Ucrânia a atingir patamares de extrema preocupação; à oitava subida consecutiva do preço dos combustíveis; à consciencialização do grave problema de seca que Portugal atravessa; e a mais um apelo, já num tom de desespero, dos produtores de leite face à ausência de apoios e aumento dos prejuízos. Se num primeiro olhar temos quatro notícias não relacionadas, uma análise mais atenta permite perceber como motivações e decisões políticas erradas podem resultar numa tempestade perfeita, com impacto direto e nefasto na vida de todos nós.
A crise ucraniana – o impacto no ouro negro
Comecemos pela crise na fronteira da Ucrânia. O impasse de nervos que se vive há semanas nesta região do globo (e que se iniciou há já alguns anos com a invasão da Crimeia por parte de Putin) tem um impacto imediato e relevante em todo o Mundo. Não irei abordar as razões por detrás desta potencial guerra. No entanto, é importante analisar os impactos que já se fazem sentir e tentar antecipar o que poderemos vir a observar. Esta análise é relevante porque, já como escrevi em ocasiões anteriores, ter conhecimento dos cenários prováveis permite a todos tomar decisões mais conscientes no seu dia-a-dia.
A Rússia é um dos maiores exportadores de petróleo e gás natural, fornecendo com enorme relevância a grande maioria dos países europeus. Não apenas impacta quem compra a energia russa, mas também todos aqueles que sofrem com o aumento que se faz sentir nos mercados. Na mesma semana em que tudo parece aproximar-se do fim, o preço do petróleo atinge máximos dos últimos anos e duplica o seu preço face a Janeiro de 2021. Só no último mês a cotação do crude subiu quase 15%. As previsões dos analistas em caso de efetiva invasão, é que o valor do crude nos mercados possa atingir os 125 dólares, ou seja, mais de 25% acima da atual cotação.
De Bragança a Lisboa são 90€ em gasolina…
Para quem teve a sorte de crescer nos anos 90, Bragança estava a nove horas de distância e haveríamos de ter um avião para lá ir. Para quem cresce em 2022, já existe um avião para lá ir, mas encher o depósito é que se tornou um problema. Nos últimos meses tivemos muitos debates sobre o porque da subida dos preços, no entanto, não podemos ignorar dois fatores fundamentais: a enorme carga fiscal sobre os combustíveis e o preço da matéria prima que está na base do mesmo. E se em relação ao segundo o governo português pode fazer muito pouco, já quanto ao primeiro deveria fazer muito mais.
No seu discurso no Parlamento a 7 de Outubro de 2021, António Costa defendeu ser “uma política correta” não descer os impostos sobre os combustíveis. Para quem olhar para os resultados das eleições de 30 de Janeiro, só pode concluir que a esmagadora maioria dos portugueses concorda com ele. O mesmo António Costa afirmava que a “a emergência climática é uma emergência todos os dias e exige uma taxa de carbono, que vai continuar a aumentar”. Aqui concedo-lhe alguma razão, a crise climática é uma emergência. Porém, também a fome, a pobreza, a crise pandémica e a crise económica das famílias e das empresas. Se nada for feito, o preço dos combustíveis para os portugueses vai continuar a aumentar, asfixiando famílias, empresas de transportes, agricultores e praticamente todos os sectores da sociedade e da economia. O Primeiro Ministro conclui ainda, nessa tarde de Outubro, que os políticos não podem dizer que há uma emergência e nada fazer e que a Taxa de Carbono resulta e “resulta bem”. O que António Costa não explica é como irá salvar os portugueses depois de “salvar o planeta”.
Não temos vento? Ficamos sem água…
Já olhamos para o impacto das decisões políticas na crise ucraniana fizeram ao preço do petróleo. Já vimos o que o preço do petróleo e as decisões políticas fizeram ao preço da nossa gasolina. E qual a ligação de tudo isso à falta de rio em Aldeia do Vilar? Tudo. Claro que podemos dizer que o último Inverno não choveu (e é verdade). Podemos afirmar ainda que o consumo aumentou. No entanto, não podemos negligenciar a ação do Homem nesta seca, e não, não estou a pensar na nossa “pegada ecológica”, mas, sim, nas nossas decisões para salvarmos o ambiente.
Recuemos então um pouco. O governo de Portugal decide avançar, em linha com os pensamentos dominantes no mundo, para um processo de descarbonização. Parece-me um caminho acertado. Porém, na boa tradição lusitana de fazer mais do que nos pedem (já Passos Coelho se orgulhava disso) decidimos (ou decidiram por nós) ir mais além. Portugal, fechou no final de 2021 a sua última unidade de produção de energia com base em carvão. Este processo acelerado de passagem para energias “verdes” estava muito bem fundamentado nas alternativas que o país tinha. Iríamos substituir o carvão pelo Sol, pela água e pelo vento. Só que nós portugueses temos sempre azar, talvez seja o nosso fado ou ausência de visão. Apenas num argumento de Hollywood poderíamos encontrar o fenómeno de, no ano em que fechamos as produções à base carvão para salvar o planeta, o planeta decide fechar-nos a chuva e o vento.
A razão pela qual as barragens estão no nível em que estão não se prende apenas com a falta de chuva (que obviamente não ajudou), mas, com a necessidade de produzir energia hidroelétrica. Fazendo uma pesquisa pelas funções principais de uma barragem, podemos encontrar: “as barragens e as centrais hidroelétricas garantem a produção de energia renovável para as redes elétricas, aproveitando períodos em que a produção de energia seja excedentária, para potenciar a garantia de produção de energia limpa.” sem nunca descurar o facto de a missão prioritária de uma barragem ser “o armazenamento de água para consumo humano e para a irrigação”. É politicamente desonesto, não assumir o aumento exponencial do consumo das águas armazenadas para produção de energia e que em muito contribuiu para esta seca.
Para terminar este ponto, gostava de deixar algumas notas adicionais. Estamos com uma gravíssima seca em todo o território e só se ouve falar do problema climático. Já vimos acima como uma má análise desse mesmo problema e más decisões políticas resultam em danos consideráveis para uma situação que já na génese era difícil. Juntemos agora dois pontos finais à discussão e que aparentemente não há vontade de olhar. Em primeiro lugar o gritante desperdício que algumas redes de distribuição sofrem. Num momento em que a água é um bem tão precioso e escasso, é revoltante ver a inércia em abordar o problema e em o resolver. Os dados são públicos e de fácil consulta, sendo possível constatar que nalguns municípios as perdas de água chegam aos 50%. Em segundo lugar as decisões económicas que se sobrepõem às razões objetivas. Deixo um exemplo: o Algarve tem a maior produção de abacates da Europa. Admito, é notável, cria postos de trabalho e dinamiza as localidades onde se insere. Talvez o único problema é que os abacates são das culturas com maior necessidade de água que existe e a decisão “dos homens” foi escolher uma região com enormes carências de água para fazer essa mesma plantação.
O leite também é água, e quando esta não existe…
Para quem começou na Ucrânia, terminar na crise do leite pode parecer estranho, mas se a Ucrânia agravou o petróleo, o petróleo levou à crise ambiental que culminou na falta de água e se, em cada 100gr de leite, 87gr são água, então faz todo o sentido terminarmos no leite. Se há sector que agoniza desde há muitos meses com esta crise que não se menciona, mas que existe, é o sector do leite. O aumento brutal do preço das matérias primas e o condicionamento existente no preço estipulado para os produtores tem levado a prejuízos significativos e falências. Dezenas de empresas de pequena dimensão têm vindo a desaparecer e famílias inteiras têm sido afetadas, culminando em situações de dificuldades financeiras e desemprego.
A produção de leite depende de animais, que se alimentam de pasto, que necessita de rega, e que consomem água na sua vida diária. Talvez este seja um fator desconhecido para a esmagadora maioria da população, mas enquanto as teorias de emagrecimento e saúde nos recomendam a beber entre 1 a 2 litros de água por dia, uma vaca leiteira durante o período de lactação bebe cerca de 4 litros de água por cada litro de leito produzido. Resulta deste número que uma produção diária de 30 litros de leite, deveria significar um consumo de 120 litros de água por cada animal. Como nota final para este ponto, partilho o consumo de água no arquipélago dos Açores em 2009. Diariamente, a população açoriana consumia cerca de 6 milhões de litros de água, contrastando com os cerca de 13 milhões de litros de água consumidos diariamente por bovinos e vacas leiteiras.
Um país sem visão é um país sem futuro
Comecei este artigo afirmando que “motivações e decisões políticas erradas podem resultar numa tempestade perfeita, com impacto direto e nefasto na vida de todos nós”. Não temos grandes responsabilidades na crise ucraniana, mas temos enormes responsabilidades em continuar a não querer ver, a tolerar a ausência de planeamento de quem nos governa, em validar políticas sem as questionar e a permitir que, no final, o impacto seja sempre o mesmo sem consequências ou ilações. Em pouco tempo teremos uma inversão na política de taxas de juro para conter a inflação (a tal que os governos diziam ser pontual e transitória) e nesse momento a nossa economia, ainda fragilizada por uma pandemia e por uma estrutura base que não consegue criar alicerces sólidos, irá contrair e dificultar, ainda mais, a vida dos portugueses. É fundamental termos governantes que nos falem verdade, que consigam ter visão e que saibam assumir as suas responsabilidades.