Ultimamente, a nossa atenção tem estado focada no tema único da discussão global: o Coronavírus. Ficou já claro que será muito provável que esta estirpe de gripe, altamente contagiosa, se continue a espalhar, com a Europa a ver já proporções epidémicas na Itália. Depois de declarada como Pandemia pela OMS a 11 de Março, muitos governos preparam-se agora para o impacto económico e social, reconhecendo-o como inevitável em alguma das formas.
Contudo, para as comunidades imigrantes asiáticas, um pouco por todo o mundo, outra epidemia floresce. Em muitas regiões, seja nos Estados Unidos, Europa ou Austrália, pessoas com a aparência característica de quem vem do sudeste asiático, começam a sentir os efeitos do #coronaracismo. Entre outros, estes incidentes incluem negar o acesso a lojas, ou atos de violência física e verbal. Como resposta, a hashtag #JeNeSuisPasUnVirus (eu não sou um vírus, em francês), cunhada pela comunidade asiática residente em França, está já traduzida para inglês, alemão, italiano e espanhol, contando com o poder das redes sociais para que se partilhem as histórias pessoais de quem, em números alarmantes, está a sofrer com esta nova estirpe de racismo.
Para mim, nascida e criada nos Estados Unidos e etnicamente Japonesa e Coreana, isto é alarmante. Mesmo na minha cidade natal (Nova Iorque), uma cidade liberal e diversa, há casos de racismo e xenofobia nos transportes públicos com recurso a violência física e verbal. Alguma discriminação manifesta-se na forma de micro agressões, com indivíduos que se recusam sentar ao lado de um asiático ou que, vendo um, imediatamente cobrem a sua boca. Até crianças com aparência asiática estão a ser alvo de bullying nas escolas e apelidadas de “Coronavírus”, apenas e só pelo seu aspeto.
Infelizmente, esta onda de racismo, despoletada por esta epidemia, não é novidade. Imigrantes e minorias têm sido, historicamente, considerados responsáveis por epidemias ao longo dos séculos. Um bom exemplo é a febre amarela de 1859, que se abateu sobre os Estados Unidos, e onde os imigrantes alemães e irlandeses foram usados como bode expiatório. Mais tarde, em 1916, os imigrantes italianos seriam culpados pelo surgimento da poliomielite. Padrões semelhantes são já visíveis com o Coronavírus. No final do dia, o que é claro é que a proliferação de campanhas de medo e de xenofobia em nada contribui para a situação e, por outro lado, a pode piorar, independentemente da raça dos envolvidos.
No dia 2 de Março, o diretor-geral da OMS (Organização Mundial de Saúde), o Dr. Tedros
Ghebreyesus disse: “É doloroso ver o nível de estigmatização que estamos a observar”. Acrescentou ainda que todos devemos “lutar em uníssono” e que o estigma “é, para ser honesto, mais perigoso que o vírus. […] O estigma é o inimigo mais perigoso”.
De acordo com a OMS, a estigmatização pode aumentar o contágio do Coronavírus por:
- Fazer com que os infectados escondam a sua doença para evitar discriminação;
- Impedir a procura de cuidados de saúde depois de serem infectados; e
- Impedir a adoção de hábitos saudáveis;
Lato sensu, é importante lembrar que o Coronavírus não discrimina, e que qualquer um de nós o pode contrair. Estamos olhos nos olhos com uma crise de saúde pública que requer todos os membros das nossas comunidades vigilantes e disponíveis para ajudar o próximo. Medo e pânico apenas trazem o pior das pessoas, resultando em comportamentos egoístas, pouco produtivos, como o açambarcamento de bens e o contributo para um ambiente racista e discriminatório. Pessoas como eu, jovens e saudáveis, que os especialistas dizem não estar em risco de ter sintomas mais severos, são também responsáveis por manter o distanciamento social. Nós, jovens, temos de pensar nos mais velhos e proteger quem mais precisa, baixando assim a taxa de contágio.
Relatos recentes vindos de Itália revelam que um dos principais desafios é assegurar que existem camas e equipamento médico suficientes para os mais vulneráveis, para evitar o colapso do sistema de saúde. Os médicos no centro da epidemia estão sobrecarregados, confrontados com decisões sobre quem vive e quem morre.
Nós vivemos numa rede social (não, não estou a falar de Facebook mas das nossas interações físicas diárias), pelo que temos de considerar como é que as nossas ações impactam os outros. Estas podem ter efeitos “bola de neve”, pelo que podemos ajudar ou prejudicar as nossas comunidades, mais do que aquilo que percebemos.
Reconhecidamente, como alguém que veio viver recentemente para Portugal, a minha experiência pessoal é de gratidão pela amabilidade e generosidade do povo português. Os portugueses são bons anfitriões, sempre preparados para partilhar a sua cultura, língua e comida. Contudo, receio que com o aumento de número de infectados em Portugal (e na União Europeia), esta realidade possa mudar.
Peço-vos a todos que, neste tempo de incerteza, sejam gentis e atenciosos para os membros das vossas comunidades, quer os conheçam ou não, quer partilhem da sua língua ou não, e sempre, mas sempre, independentemente da sua cor ou raça.
A luta é feita de forma global, juntos, como uma tribo da humanidade.
Jenny Ayumi Kai é uma americana de ascendência Japonesa-Coreana, entusiasta da política pública e apaixonada por desenvolvimento internacional, direitos civis e diversidade. A Jenny colaborou com diversas organizações internacionais, das quais se incluem as Nações Unidas, UNICEF ou a APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation), a Liga Anti-Difamação e ainda o setor privado em investigação, análise de políticas, e gestão de informação. É formada em “Public Policy” pela Universidade Nacional de Singapura e ainda pela Bates College (“English Literature and East Asian Studies”). No seu tempo livre aproveita para viajar (Tibete, Islândia e as Maldivas são os seus destinos de eleição), para ler (atualmente Fernando Pessoa), cozinhar e escrever. Está neste momento a desenvolver um novo blog (Perky Traveler @theperkytraveler), ainda para ser lançado.