Foi publicado no passado dia 20 de janeiro mais um relatório de investigação sobre casos de abusos sexuais na Igreja, desta vez na diocese de Munique, que revela que o arcebispo Ratzinger (Papa Bento XVI) também estava implicado. Em todos estes relatórios evidencia-se que a Igreja Católica abafava os casos de abuso, não prestava auxílio às vítimas e protegia os clérigos abusadores. Ainda aguardamos o relatório sobre os dados da Igreja Católica Portuguesa, mas não deverá ser muito diferente da gravidade dos acontecimentos evidenciada por todos os relatórios que têm surgido.

Esta dimensão dos abusos perpetrados e a sua ocultação por parte da Igreja Católica tem consequências diretas para a prática religiosa e para a vivência da fé. Pois tipicamente a fé religiosa e a sua prática são transmitidas por testemunho. E os testemunhos só funcionam com base na confiança, como defende bem o filósofo John Greco no recente livro The Transmission of Knowledge (2020). Contudo, a Igreja Católica tem-se revelando uma má fonte testemunhal, dado que perdeu a sua credibilidade e não é digna de confiança. Esses relatórios sobre os abusos sexuais mostram uma combinação de arrogância institucional, incompetência e falta de caráter moral por parte da Igreja Católica durante décadas, inclusive envolvendo papas, cardeais e bispos, que minam completamente a credibilidade da Igreja. Por causa disso, os canais testemunhais da Igreja ficam corroídos e destruídos, dado que os recetores desses testemunhos, de uma forma legítima, confiam menos ou praticamente nada na instituição Católica e nas suas supostas autoridades, havendo um enorme descrédito do que a Igreja Católica possa transmitir.

Em suma, a Igreja Católica não se revelou digna de confiança. Esta perda de confiança já se evidencia bem na queda acentuada dos números de praticantes na Igreja Católica. A título de exemplo, o recente estudo sociológico Identidades religiosas na Área Metropolitana de Lisboa (2018), coordenado por Alfredo Teixeira, mostra que o número de pessoas que se declara católica é cada vez menor, sendo que “as práticas religiosas rituais e coletivas não chegam a 12% dos casos”. E, “em contrapartida, o número de indivíduos que declara não pertencer a nenhuma religião é cada vez mais significativo”. Fenómenos semelhantes estão a ocorrer noutros países ocidentais.

Além disso, hoje em dia praticamente ninguém leva a sério o testemunho e ensino da Igreja Católica sobre ética e moral. No Catecismo da Igreja Católica que se encontra em vigor ainda podemos ler algumas barbaridades tais como “os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados (…) não podem, em caso algum, ser aprovados” (no parágrafo 2357); “a masturbação é um ato intrínseca e gravemente desordenado” seja qual for o motivo (no parágrafo 2352); a contraceção artificial (como preservativos ou a pílula) “é intrinsecamente má” (no parágrafo 2370). Insistir neste tipo de ideias é cada vez mais irrelevante para a sociedade atual e mina qualquer papel positivo que a Igreja possa ter para a sociedade.

Se a Igreja Católica quer voltar a ser digna de confiança e dar um testemunho relevante para a sociedade em geral deverá efetuar uma enorme mudança de paradigma. Nomeadamente, mudar para um paradigma onde se acolham os mais frágeis e marginalizados da sociedade, onde o amor e os direitos humanos sejam a prioridade, onde se lute contra o racismo, onde se defenda o feminismo, onde se respeitem as pessoas LGBT e os seus direitos, onde se construa uma Igreja transparente, sem clericalismo nem abusos ou faltas de respeito. O Papa Francisco está a tentar dar timidamente os primeiros passos em direção a essa mudança. Será que vai conseguir?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR