O debate na esfera da comunicação social transformou-se numa disputa semântica sobre ‘ataques’ e ‘retaliações’, especialmente no contexto do Médio Oriente. Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, a História revela um padrão inegável: os países vizinhos, movimentos de resistência e/ou organizações terroristas têm sido os responsáveis pelo início dos confrontos. Desde a Guerra dos Seis Dias, passando pelo Yom Kippur, da Primeira e Segunda Intifadas até à Guerra do Líbano de 2006, esta realidade histórica é fundamental para entender a dinâmica actual da região e as narrativas que emergem desse conflito.
As declarações do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, após os eventos de 7 de Outubro, suscitaram preocupações sobre a sua abordagem e a eficácia da organização que lidera. Ao afirmar que o ataque do Hamas “não ocorreu no vazio”, Guterres fez um julgamento sumário do conflito, desprezando a exigível equidistância inerente ao cargo que ocupa. Insinuou que havia justificação para essa agressão, uma posição que é problemática e perigosamente ambígua. Ademais, a sua incapacidade de condenar de forma clara o Irão após o ataque de 1 de Outubro contra Israel apenas reforça a ideia de uma hesitação que pode ser interpretada como um encobrimento de responsabilidades. É inegável que as acções do Secretário-Geral da ONU são limitadas, mas isso nunca poderá servir como uma desculpa para uma postura que carece de firmeza e clareza moral.
A figura de Guterres, embora respeitada e admirada por muitos portugueses, não tem o arcaboiço necessário para liderar em tempos de crise. Tal como Neville Chamberlain, Primeiro Ministro britânico de 1937 a 1940, que era admirado pelas suas qualidades em tempos de paz, mas que falhou em momentos de guerra, Guterres apresenta uma retórica que parece mais voltada para evitar conflitos do que para enfrentar verdades incontornáveis. Em contrapartida, líderes como Winston Churchill, frequentemente criticados pelas suas posições alarmistas e imprudentes, mostraram-se cruciais durante períodos de conflito. E a História não é gentil com os que hesitam.
A incerteza sobre o futuro do Médio Oriente é palpável, e Israel, por sua vez, apresenta uma determinação que contrasta de maneira gritante com o “politicamente correcto” que permeia as discussões ocidentais. Este “politicamente correcto”, na verdade, acaba por legitimar, ainda que de forma indirecta, as acções de grupos terroristas, levando vários comentadores e analistas a questionar a classificação desses movimentos. Em tempos de conflito, a retórica e a terminologia têm consequências profundas, e a hesitação em rotular correctamente grupos que promovem a violência e o terror pode resultar em contínuos ciclos de agressão.
Ao analisar a actuação da ONU, um paralelismo inquietante pode ser traçado com a ineficácia e a inércia da Sociedade das Nações no período entre as duas guerras mundiais. Durante esse hiato, a Sociedade falhou em responder adequadamente a uma série de crises, desde a invasão da Manchúria pelo Japão em 1931, até à agressão italiana na Etiópia em 1935. A incapacidade de agir de forma decisiva em resposta a esses eventos permitiu que os regimes totalitários se fortalecessem, culminando na ascensão do nazismo e numa série de acções expansionistas que incluíram a remilitarização da Renânia e o Anschluss (a anexação da Áustria). A crise da região dos Sudetas, onde a falta de uma resposta firme da Sociedade das Nações resultou na anexação de parte da Checoslováquia pela Alemanha, exemplifica ainda mais essa ineficácia.
A História mostrou que, ao evitar confrontar as agressões de forma clara e contundente, a Sociedade das Nações não apenas falhou em proteger os estados membros, mas também facilitou o início de um conflito devastador. Da mesma forma, a ONU, sob a liderança de Guterres, parece estar a repetir esses mesmos erros, permitindo que a falta de uma resposta unificada e assertiva relativamente ao conflito no Médio Oriente crie um ambiente propício para a escalada da violência. A ONU não consegue transcender a hesitação e a ambiguidade que caracterizam as suas actuais abordagens, correndo o risco de se tornar tão irrelevante quanto a sua antecessora, perpetuando uma dinâmica de inacção que pode levar a consequências trágicas para a paz e segurança global.
A batalha semântica que conduz o debate sobre o Médio Oriente reduz, amiúde, a discussão a uma mera questão de palavras. Porém, exige-se uma profunda reflexão das realidades complexas que moldam a política e a segurança global. Aqui, o papel da ONU e de líderes como António Guterres seria crucial, mas a sua eficácia em momentos críticos é praticamente nula. É que o futuro da região dependerá também da clareza na comunicação e da disposição de enfrentar as verdades mais difíceis.
Se a História nos ensinou algo, é que a hesitação e a ambiguidade em tempos de crise podem ter consequências desastrosas. Para evitarmos tais consequências, é preciso contarmos com líderes para tempos de guerra. E hoje, parecem não existir.