Num mundo em constante mutação, as barreiras rígidas entre diferentes áreas do conhecimento já não têm lugar. Os desafios que enfrentamos não se encaixam em categorias fixas; eles entrelaçam-se e influenciam-se mutuamente, exigindo uma compreensão integrada. Nesse sentido, a interdisciplinaridade é uma abordagem na qual diferentes áreas do conhecimento são combinadas de forma colaborativa, para compreender questões complexas, permitindo uma visão mais profunda dos desafios enfrentados. A abordagem interdisciplinar respeita, assim, a complexidade da vida real.

Apesar dos múltiplos benefícios da interdisciplinaridade, ainda nos deparamos com investigadores que lhe resistem, preferindo aderir, estritamente, aos seus próprios campos de especialização. Importa, portanto, esclarecer a sua relevância para o progresso da humanidade, através de exemplos práticos.

A intersecção da medicina e da engenharia biomédica revolucionou a saúde. Imagine um cenário em que cirurgias complexas seriam realizadas de forma menos invasiva e com recuperações mais rápidas. Fruto da colaboração entre médicos e engenheiros, hoje tal é possível, através de dispositivos médicos e próteses avançados que melhoram a qualidade de vida. É a chamada cirurgia robótica, iniciada há vinte anos.

Além disso, certamente já ouviu falar da existência de modelos matemáticos que ajudam a prever a propagação de doenças. A recente crise epidemiológica de COVID-19 é o exemplo brilhante do potencial colaborativo entre epidemiologistas, biólogos, matemáticos, médicos, sociólogos, antropólogos, geógrafos, entre outros profissionais. A análise de dados possibilita antecipar e/ou combater essa propagação, gerando estratégias de controlo mais eficientes, como foi também o caso da cólera, no centro de Londres, em 1844. Nessa altura, através da análise de dados, o médico John Snow descobriu que a origem da propagação da cólera se devia a uma única fonte de água, que causou a morte de 127 pessoas. Posteriormente, em 1910, o médico Ronald Ross constatou que o mosquito Anopheles era o vetor que transmitia a malária, dando origem ao conceito de “R0”, que revela a capacidade de uma pessoa com doença infetar outras.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ademais, o debate sobre sustentabilidade é impulsionado pela colaboração entre cientistas ambientais e economistas. Por exemplo, os cientistas ambientais desempenham um importante papel ao avaliar os impactes ambientais de várias fontes de energia, como a solar, eólica, hidrelétrica, biomassa e nuclear. Consideram fatores como o consumo de recursos naturais, a libertação de poluentes e possíveis danos ao ecossistema. Paralelamente, os economistas avaliam a sustentabilidade económica desses projetos, analisando elementos como investimentos, despesas operacionais, criação de empregos, incentivos fiscais e influências no mercado energético. Tudo isto para a eficiência estratégica.

Por outro lado, nos estudos sobre desigualdade social, os sociólogos podem colaborar com os economistas na compreensão de como as políticas públicas afetam os índices de desigualdade. Essa sinergia pode, por exemplo, desempenhar um papel relevante no planeamento, execução e avaliação de programas de rendimento social de inserção. Nessa ótica, enquanto os sociólogos investigam as raízes subjacentes da desigualdade, identificando os grupos mais vulneráveis, os economistas modelam os possíveis impactos financeiros desses programas, analisando a eficiência na redução das desigualdades de rendimento. Podem também os sociólogos trabalhar com os psicólogos para explorar as dinâmicas culturais que perpetuam essas disparidades.

Por fim, quando os psicólogos se juntam aos designers de produtos, surgem coisas incríveis. Lembra-se da última vez que uma aplicação o cativou? As cores, os sons e as interfaces foram projetados com base em princípios de Psicologia, a fim de aprimorar a experiência do utilizador. Tal estende-se a aplicações de videojogos, streaming, realidade virtual, realidade aumentada, comércio e karaoke.

No entanto, reconhecer a importância da interdisciplinaridade para a resolução dos problemas contemporâneos mais urgentes não significa menosprezar as disciplinas individuais. Pelo contrário, significa compreender que, ao ultrapassarmos as fronteiras disciplinares, podemos alcançar soluções verdadeiramente impactantes para esses problemas. Assim, a interdisciplinaridade é mais do que uma escolha acertada; é uma responsabilidade que temos perante o progresso societal.