A morte sempre foi um tema intrinsecamente ligado à condição humana. Todos  passamos por ela e assistimos à perda dos que nos são mais queridos, como parte  natural do ciclo da vida. Ao longo da história, as sociedades têm desenvolvido diferentes  formas de lidar com ela, seja através de crenças religiosas (e.g., no Cristianismo ensina se sobre o julgamento final, no Budismo acredita-se na reencarnação), filosofias pessoais  (e.g., o existencialismo enfatiza a importância de viver uma vida autêntica diante da  inevitabilidade da morte, enquanto o estoicismo promove a aceitação serena do destino  final) e rituais fúnebres (e.g., enterros, cremações, festas memoriais e celebrações  festivas).

No entanto, com o avanço da ciência, especialmente nas últimas décadas, verificou-se  uma transformação na forma como lidamos com a morte. Os avanços médicos  permitiram prolongar a vida, tratando muitas doenças outrora fatais, consequentemente  criando a ilusão de que a morte é adiável ou até mesmo evitável. Ademais, a morte, na  sociedade contemporânea, é distorcida pela cultura do consumo, através de filmes,  música e videojogos, ou da idealização da juventude e da beleza na publicidade / redes  sociais, contribuindo para uma sensação de distanciamento da realidade. Isto leva as  pessoas a evitar pensar na morte ou a vê-la como um fracasso pessoal ou médico. Nesse  sentido, discutir o planeamento do fim de vida, como testamentos, pode ser considerado  mórbido, inadequado ou até mesmo desrespeitoso, tornando a morte um assunto tabu  evitado a todo custo, o que pode impedir as pessoas de tomar decisões importantes  sobre as suas preferências.

Estigmatiza-se a morte devido ao medo do desconhecido. Assim, muitos indivíduos desenvolvem estratégias prejudiciais para lidar com a enfermidade, sendo a primeira  delas o abandono do doente por familiares, amigos e comunidade, transferindo a  responsabilidade pela vida e morte do paciente para os bastidores, como o ambiente  hospitalar. A segunda estratégia envolve a aceitação passiva da sua situação pelo  paciente, o qual abandona a própria identidade e direitos, à espera do seu desfecho. Por  outro lado, os profissionais que lidam diretamente com a morte, como os trabalhadores funerários, médicos legistas e embalsamadores, podem ser estigmatizados devido à  natureza de seu trabalho, mesmo que desempenhem um papel crucial na sociedade.

Além disso, a comunidade espera que os enlutados retornem, rapidamente, à vida  normal, fazendo-os esconder a sua dor, em vez de receberem apoio. Nesse aspeto, a  dissimulação da morte pode ter várias consequências negativas nos enlutados, como a  dificuldade em expressar emoções – sentindo-se pressionados a esconder a sua tristeza,  raiva ou confusão, o que pode levar ao acúmulo de sentimentos reprimidos – o  isolamento, a solidão, a depressão e a perturbação de stresse pós-traumático.

Superar a estigmatização da morte requer um esforço coletivo para normalizar conversas  sobre ela, apoiar os enlutados e desafiar estereótipos. Paralelamente, há um movimento  crescente em direção à chamada “morte bem vivida”, envolvendo conversas sinceras  sobre os desejos de fim de vida, o planeamento do testamento e o reconhecimento da  morte como parte natural do ciclo da vida. O desafio é deslindar um equilíbrio entre  reconhecer a realidade da morte e encontrar formas autênticas de viver.

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