No nosso País, o direito à proteção da saúde constitui, desde 1976, um direito fundamental constitucionalmente consagrado, competindo ao Estado assegurá-lo, nomeadamente através da criação de um Serviço Nacional de Saúde (SNS), aprovado pela Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, e que é uma das mais relevantes realizações da democracia portuguesa, concretizada no terreno pelos milhares de profissionais de saúde altamente diferenciados que o compõem, incluindo, naturalmente, os enfermeiros.

Considerando que, ao longo dos últimos 43 anos, o SNS cresceu e ganhou a confiança dos portugueses e é a garantia do direito fundamental de todos os cidadãos à proteção da saúde, independentemente da condição social, da situação económica ou da localização geográfica de cada um, a revisão recente do seu Estatuto poderá ser um passo fundamental para o reforço da construção de um SNS mais justo e inclusivo, que responda melhor às necessidades da população mediante as necessárias reformas estruturais, onde é evidente que um investimento nos enfermeiros e na revisão da sua carreira e tabela salarial permitirá melhorar a qualidade da atual Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), dezasseis anos após a sua criação.

Neste contexto, importa referir o novo Estatuto do SNS (Decreto-Lei n.º 52/2022 de 4 de agosto) que começa por precisar a definição de SNS, o catálogo dos seus estabelecimentos e serviços, bem como os direitos e deveres dos seus beneficiários. O Estatuto do SNS dispõe, seguidamente, sobre a organização territorial e funcional do SNS, baseada em regiões de saúde e em níveis de cuidados, e sobre o seu funcionamento, focado na proximidade da prestação, na integração de cuidados e na articulação inter-regional dos serviços, promovendo as respostas domiciliárias e os sistemas de informação que acompanham o utente no seu percurso.

É ainda no capítulo sobre organização e funcionamento que o Estatuto do SNS introduz uma das suas principais inovações, ao prever a criação de uma Direção Executiva do SNS. Esta entidade assume a coordenação da resposta assistencial das unidades de saúde do SNS, bem como daquelas que integram a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e a Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP), assegurando o seu funcionamento em rede. Este papel, que se revelou particularmente necessário no combate à pandemia da doença COVID-19, deve ser reforçado. Adicionalmente, a Direção-Executiva do SNS assumirá competências antes cometidas a outras instituições, em especial a gestão do acesso a cuidados de saúde, da RNCCI e da RNCP, cabendo-lhe ainda propor a designação dos membros dos órgãos de gestão das unidades de saúde.

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No desenvolvimento da nova Lei de Bases da Saúde, o Estatuto do SNS dispõe sobre os recursos humanos do SNS e sobre o seu planeamento plurianual. O aspeto central desta secção é a definição do regime da dedicação plena que deve ser alargado a todos os profissionais de saúde, incluindo, desde logo, os enfermeiros, e a introdução de instrumentos de contratualização individual e valorização do desempenho, que visam contribuir para a melhoria do acesso dos utentes e a retenção e motivação dos profissionais de saúde no SNS. Sendo assim, defendemos como prioritária a adoção de um modelo de carreira, com instrumentos de gestão mais flexíveis, para os enfermeiros, também na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e na Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP), à semelhança no que acontece no setor público empresarial do Estado.

Consideramos assim, que existem quatro dimensões que serão estruturantes para uma intervenção prioritária da Direção-Executiva do SNS na RNCCI:

  1. A legislação atualmente em vigor, e que regulamenta a RNCCI, encontra-se desajustada relativamente às atuais necessidades de cuidados de Enfermagem dos utentes;
  2. O escasso financiamento que é assegurado às unidades, apesar do esforço orçamental para 2023, pode impossibilitar a criação de melhores condições contratuais para os profissionais da RNCCI, nomeadamente os enfermeiros;
  3. O facto de não existir um modelo de carreira, semelhante ao que acontece no setor público administrativo e empresarial do Estado, que permita criar melhores condições de trabalho, com reconhecimento pelo percurso profissional e competências académicas, científicas e clínicas, não permitindo a valorização e dignificação profissional dos enfermeiros.
  4. O modelo de gestão de cuidados de saúde da RNCCI exige cada vez mais competências diferenciadas dada a complexidade dos cuidados necessários e a resposta que se quer garantir como adequada, atempada, segura, assente na melhor evidência técnica e científica pode e deve ser dada pelos enfermeiros especialistas e enfermeiros gestores.

Investir nos enfermeiros, contribuirá, sem qualquer margem de dúvida para melhorar a RNCCI e os cuidados prestados aos utentes, sempre em articulação e diálogo interprofissional e interinstitucional, consolidando a escolha de uma política de construção democrática dos serviços públicos de saúde, onde todos têm um papel a desempenhar, e, simultaneamente, de uma abordagem multissetorial da efetivação, no terreno, do direito à saúde que aumente a qualidade dos cuidados prestados ao cidadão nas próximas décadas.