A empresa pública IP há anos que se comporta como um estado dentro do Estado e a realização de uma Comissão de Inquérito é mais do que justificada, para se averiguar os prejuízos que a empresa está a causar ao País e para que os portugueses saibam que interesses estarão ali a serem defendidos, com grave prejuízo do interesse nacional e da economia portuguesa. Vejamos alguns dos factos:
1 Durante muitos anos e até ao fim dos governos de José Sócrates, a empresa defendeu que as ferrovias a construir de Lisboa ao Porto e de Lisboa a Madrid, seriam construídas em bitola UIC (standard europeu) como parte do Corredor Atlântico, decidido em conjunto com a Espanha e financiado pela União Europeia. Posteriormente, sob a governação do PS de António Costa, a mesma empresa passou a defender a manutenção da bitola ibérica, o que, como tenho escrito, é um erro de enorme gravidade que tornará Portugal uma ilha ferroviária na Europa, com as exportações portuguesas por via-férrea a ficarem dependentes da vizinha Espanha. Com a nota de que até 2050 será obrigatório transferir da estrada para o caminho de ferro e para as vias navegáveis 50% dos trajetos de mercadorias com mais de 300 km.
2 O actual vice-presidente da empresa, o engenheiro Carlos Fernandes foi durante a governação de José Sócrates administrador da Rave, onde lançou o concurso internacional para os estudos e construção do troço do Poceirão ao Caia em bitola europeia, de via dupla e para passageiros e mercadorias, concurso ganho com um orçamento negociado de 1200 milhões de euros, incluindo 130 milhões para os estudos, pelo consórcio ELOS. Depois, o mesmo engenheiro, agora vice-presidente da empresa pública IP, mudou de ideias e passou a defender a bitola ibérica. Aconteceu que o governo do PS nunca pagou os estudos e a ELOS foi para tribunal, tendo o governo sido condenado a pagar cerca de 150 milhões de euros, o valor inicial e mais os juros devidos ao atraso no pagamento. Acontece agora que, tanto quanto se sabe, esse valor não foi ainda pago, pelo que devido ao tempo adicional decorrido, o valor a pagar já será superior a 200 milhões de euros, de dinheiro dos contribuintes portugueses deitado ao lixo.
3 A mesma empresa IP, sob a orientação do mesmo Carlos Fernandes, lançou a construção da mesma linha agora em bitola ibérica, em via única e só para passageiros, a qual está há anos a ser executada e já ultrapassou todos os prazos, segundo os jornais com custos muito superiores ao orçamentado e que não param de crescer. Mas não só, a mesma empresa decidiu a chamada modernização da linha da Beira Alta, a qual já ultrapassou todos os prazos de construção, bem como os custos previstos, sendo que as obras estão praticamente paradas por erros de engenharia e, diz-se, por falta de dinheiro. A modernização da linha do Oeste tem uma história semelhante, como semelhante é o secretismo com que tudo isto tem sido tratado e sem que o poder político ponha alguma ordem na empresa, que parece ser inimputável.
4 Acontece que o engenheiro Carlos Fernandes faz com frequência afirmações que estão longe de ser verdadeiras. Por exemplo, ainda recentemente disse: “A Espanha começou a fazer a migração para bitola europeia, mas já não o está a fazer e não tem planos para a mudança nas próximas décadas, pelo que se Portugal adoptasse a bitola europeia, os comboios chegariam à fronteira a paravam.” Tudo afirmado com esta ligeireza, enquanto todas as notícias dos jornais espanhóis anunciam novos investimentos em bitola europeia, que a ligação de Barcelona à fronteira francesa está em pleno funcionamento e a ligação por Irun está a ser construída com a previsão de ficar operacional dentro de dois a três anos. Além de que prosseguem os investimentos espanhóis e da União Europeia no Corredor Mediterrânico de Barcelona ao porto de Algeciras, naturalmente em bitola europeia e para mercadorias e passageiros.
5 Durante a governação de António Costa a empresa IP e o seu vice-presidente Carlos Fernandes funcionarem em regime de roda livre, a queimarem centenas de milhões de euros no processo. Resta agora saber qual a razão para o governo da AD e o seu ministro Pinto Luz seguirem, sem qualquer explicação e com um elevado nível de secretismo, o mesmo manual do engenheiro Carlos Fernandes na IP. Pessoalmente já fiz, como outros cidadãos interessados, uma dezena de perguntas ao senhor ministro que ficaram olimpicamente sem resposta.
Entretanto e como habitualmente, os senhores deputados da Assembleia da República gastam o seu precioso tempo a debater o sexo dos anjos e o caso das gémeas para, convenientemente, desconhecerem o que se passa na empresa pública IP. Não se trata de grande novidade, só agora estamos a conhecer o que se passou há muitos anos na EDP, sem que os senhores deputados tivessem cumprido o seu dever constitucional de fiscalizar os actos dos governos, ao ponto de termos tido durante anos um ministro a ser pago por uma empresa privada e, naturalmente, a defender os interesses desta.
Assim vai Portugal, a gastar mal o dinheiro dos contribuintes portugueses como se esse dinheiro pertencesse aos partidos políticos. Mudam os governos, mas o sistema esse não muda. Conheceremos porventura a história completa das decisões da IP dentro de alguns anos, quando o tema for história, como aconteceu com o BPN, o BES, a PT, o Banif e em tantos outros casos em que milhares de milhões de euros passaram dos bolsos dos contribuintes portugueses para os bolsos de algumas figuras do regime.
Notas: Acabo de ler um texto de um tal João Cunha, que não conheço, mas que é colaborador da IP, texto que compreende o seguinte paragrafo: “Nunca antes tomei uma posição pública do género, mas está na hora – não podemos mais pensar em evoluir, sem trocar totalmente a administração da IP. Mais poderosa do que a maioria dos políticos, a administração da IP navega há anos como quer, com a sua agenda, sem ter de responder por resultados nem por opções feitas – e são tantas desastrosas pelo caminho – a além do mais nota-se o medo no sector de apontar o dedo ao que em surdina todos dizem – que será difícil sair do verdadeiro atoleiro onde estamos sem que esta administração caia toda, e muito particularmente o seu vice-presidente para a ferrovia, que saltou da RAVE para o gabinete do antigo ministro Pedro Marques e que há quase 10 anos faz e desfaz projetos a seu bel prazer.”