Caro Ricardo Araújo Pereira,

Confesso que ao ver o teu programa, onde fizeste chacota da expressão facial do General Chefe do Estado Maior do Exército (CEME), Eduardo Ferrão, fiquei deveras impressionado. Não tanto pela piada – essas já esperamos de ti – mas pela ousadia de gozar com alguém que, enquanto tu lutas pela gargalhada da semana, ele luta pela defesa do País… e ainda mais, luta para fazer face a uma doença que nem sequer conseguiu demovê-lo de continuar a cumprir a sua missão. Digamos que a diferença de batalhas é ligeiramente significativa, não?

O meu caro amigo, que semanalmente nos delicia com o seu humor sagaz e mordaz, desta vez, ao ver o CEME ao lado do Ministro da Defesa, não conseguiu resistir à “pérola” na qual se referiu à expressão do militar, como se a sua cara estivesse prestes a declarar guerra a alguém. Disseste que o General “não estava com cara de bons amigos”, o que é verdade, nem todos podem ter a tua sorte de manter um sorriso no rosto enquanto navegam a exigente maré da comédia de prime-time.

Claro, sabemos que manter o ânimo em frente a tanto teleponto é difícil, mas imagina estar na posição do General, cuja fisionomia foi alterada por uma doença, e ainda assim ter sido capaz de se manter firme no seu posto. Se a seriedade dele te incomodou, imagino que também tenhas já tido dificuldades com outras caras sérias… talvez na fila do supermercado, ou quando tentas adquirir o bilhete para a festa do Avante. E pensar que o General ali estava para, literalmente, manter o país em pé enquanto tu tentavas manter… a piada. Talvez o Ricardo esteja habituado a ver mais caras sorridentes — afinal, a vida é boa quando se ganha, num só episódio, mais do que o General recebe num mês para liderar o Exército. Mas o humor, meu caro, também exige sensibilidade e sensatez. E nessa tua peça televisiva, parece que te faltou um pouco, perdoa-me a frontalidade e informalidade.

Imagina o dilema do General: cumprir com as obrigações que o cargo lhe impõe em prol do País ou dar um sorriso para o ministro, apenas para não incomodar o humorista de serviço. Fica a questão: o que seria mais importante? Defender a Nação ou preocupar-se em ser alvo de chacota? A resposta está clara, mas talvez só para quem não precise de usar o “photoshop facial” do Ricardo para ter impacto.

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Agora, sejamos justos. O General Ferrão, mesmo após um desafio de saúde, continua a liderar o Exército, enquanto tu lideras as noites de domingo com uma caneta afiada e o dom de virar qualquer assunto numa piada. Só que aqui, meu caro Ricardo, pisaste numa mina. E não é daquelas que rebenta de riso. O homem estava ali a cumprir a sua missão. Se não te fez rir, é porque, como militar, ele tem coisas mais sérias em mente do que acertar no punchline para agradar ao comandante do humor nacional.

Portanto, Ricardo proponho-te um exercício de introspeção: que tal rever essa piada, tal como se revê um plano militar falhado? E quem sabe, talvez desta vez o alvo não seja um homem que já enfrenta batalhas que nem todos conseguimos ver. Não estamos a falar de um duelo de piadas ou de um sketch de ocasião, mas de uma pessoa que, mesmo com a adversidade a bater-lhe à porta, ainda carrega a responsabilidade de proteger os outros… Inclusive a liberdade que tu tão bem usas para engendrar as tuas piadas!

O General pode não ter “cara de bons amigos”, mas certamente tem “cara de missão cumprida”. Já tu, meu caro, que dependes da expressividade e das palavras, poderias usar essas mesmas armas para fazer o que sabes fazer de melhor: gozar, sim, mas gozar com a sabedoria de quem também sabe a hora de fazer uma pausa, olhar para o campo de batalha e, quem sabe, levantar a bandeira branca. Nem que seja só para dizer: “Mea culpa, General.”

Porque, afinal, até no humor, há momentos para a piada e momentos para reconhecer que, às vezes, quem fica com a “cara séria” somos nós, quando percebemos que o tiro saiu pela culatra!

Com um abraço fraterno e a minha continência de velho soldado!