Não necessariamente, Philip Crosby.

Philip Crosby é o autor da frase do título desta reflexão.

O empresário e escritor estado-unidense está também associado aos conceitos de “zero defeito” e de “fazer certo à primeira vez”. Admito que, para mim, é difícil ser propugnadora destas três características ao mesmo tempo: zero defeito, à primeira vez, e rápido.

Ainda se torna mais complicado apoiar essa filosofia quando estamos a falar de Mudança – seja ela qual for, mas vamos focar-nos na “mudança que queremos ver no mundo”.

Nessa visão do que seria um mundo melhor, que difere de pessoa para pessoa ou – pelo menos – com urgências diferentes para cada um, é muito difícil chegar a conclusões com “zero defeito, à primeira”. No entanto, se existe algo em que isso é possível, é no jornalismo lento.

Lentidão para mudar significa, muitas vezes, não deixar ninguém para trás nessa mudança. Lentidão significa, em vários dicionários, falta de ligeireza ou atividade no movimento. É desta falta de ligeireza que o jornalismo precisa. Aliás, diria até, que precisamos todos.

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Quando Helen Boaden renunciou à direção da rádio da emissora britânica BBC, um dos argumentos que partilhou foi a necessidade de existir mais “jornalismo lento” (slow journalism) em alternativa à corrida entre a maioria dos órgãos de comunicação social para ser o primeiro a dar uma notícia.

O jornalismo é, ao mesmo tempo, quem informa e influência todas e todos nós a tomarmos posições e a fazer julgamentos sobre aquilo que achamos estar certo ou errado.

A democracia acontece, cada vez mais, nos ecrãs.

Os meios de comunicação tornaram-se cada vez mais poderosos e um ponto de viragem para movimentos sociais e políticos. Eleger representantes, participar em campanhas, apoiar e mobilizar para protestos, entender e debater causas, direitos e injustiças são tudo ações informadas por imagens, sons e palavras emitidos por ecrãs grandes e pequenos. No entanto, esta rapidez do jornalismo, não permite “zero defeito, à primeira”, como também não nos nutre com mais conhecimento, nem nos leva a uma opinião mais fundamentada.

Uma mesma notícia é retransmitida várias vezes no mesmo dia, com raras atualizações, levando-nos a achar que a repetição é sinónimo de relevância.

Para as redações, a repetição é um recurso para encher espaços na transmissão e não ficar atrás dos concorrentes, o que acaba por padronizar quase todos os “jornais informativos”, independente da emissora, redação ou dos editores. Muitas vezes é uma falsa sensação de informação, embora isso não retire em nada a importância da comunicação e do jornalismo. É exactamente por isso que ter esta conversa é relevante.

Desde o #MeToo, #TimesUp, #GreveClimaticaEstudantil, #NeverAgain e #BlackLivesMatter, são movimentos que são reconhecidos, cresceram e mobilizaram milhões de pessoas dos quatro cantos do mundo, devido ao poder que a comunicação tem em amplificar estas histórias. Fenómenos como Greta Thunberg e a sua escala para um movimento global de #GreveClimaticaEstudantil são, sem dúvida, criados pela força da comunicação. Os “media” (no seu sentido mais lato) são, em muitos aspetos, a alma de tais movimentos.

Mas esta “informação por impulso” em que o leitor (ou espectador) é levado a uma montanha russa de notícias, onde cada um de nós só capta aquelas que despertam os nossos impulsos emocionais (rejeição, empatia, raiva, admiração, etc), só nos leva a uma grande redução da nossa capacidade de reflexão, especialmente nas questões mais complexas, como a Mudança e o mundo para o qual queremos caminhar.

A dificuldade ou incapacidade de assimilar esta avalanche de notícias, gera angústia informativa, faz-nos querer afastar “do mundo das notícias”, faz-nos sentir cansadas, e sem força, vontade, ou capacidade de entender e refletir sobre questões complicadas.

Também por estas razões, por tomarmos posições e julgarmos com base em impulsos emocionais rápidos e com pouca profundidade, assistimos – cada vez mais – a um aumento da polarização na sociedade.

Nesta tentativa de um jornalismo “zero defeito, à primeira vez, e rápido” perdemos todos. Mas, acima de tudo, perde quem sofre com os problemas que, julgo, (muitos) queremos ver resolvidos, perde a democracia e perde a Mudança. Na verdade, perdemos-nos todos um bocadinho no meio disto.

Uma das razões para o crescimento da polarização numa sociedade, é a falta de tempo e acesso a informação variada para uma reflexão com profundidade.

Muitos de nós, várias vezes, concordamos com algumas ideias básicas como “todas as pessoas devem nascer com iguais direitos humanos” e concordamos que isso ainda não é uma realidade. Mas, quando começamos a aprofundar o meio para chegar a esse fim, começamos a discordar… e está (ou deveria de estar) tudo bem até aí.

Começa a não estar tudo bem quando (quase) todas as discussões e debates acabam em estradas sem saída, e as pessoas são arquivadas como de “impossível entendimento” porque, por falta de tempo e informação, não tivemos diversidade nos nossos argumentos e capacidade de reflectir sobre determinado assunto que mexe com as nossas emoções.

O jornalismo lento é esta oportunidade de sabermos mais. É uma oportunidade de entendimento, de chegar a conclusões e desenhar soluções, de pensar e ponderar sobre “o novo”.

O mundo, e principalmente o mundo que nós queremos ver e construir em conjunto, é heterogéneo e divergente. Mas, por isso mesmo, é urgente lutar pela união.

É preciso mostrar e falar sobre qual é o caminho que podemos fazer todas e todos juntos, pelos valores de Abril, garantindo que não deixamos ninguém para trás.

E, nesse cenário, lentidão para mudar normalmente significa esperança no novo.

Carolina Pereira é actualmente Chapter Communications & Advocacy Manager na Women in Global Health, dedicada a combater a desigualdade de género na saúde Global. É co-fundadora da TippingUp, uma organização que co-cria e implementa projetos de comunicação, educação e comunidade focados nos pilares centrais da sociedade. Carolina é também Co-Directora da Sathyam Project, uma associação em Chennai (India), que trabalha na capacitação de raparigas e mulheres através da educação para quebrar ciclos de pobreza nas família. Enquanto embaixadora do #HeForShe, fundou e implementou o movimento em Portugal, mobilizando jovens para a igualdade de género e direitos LGBTQ. Durante o seu percurso, sempre trabalhou em comunicação, criação de conteúdos e impact storytelling dentro das organizações pelas quais passou e movimentos que ajudou a criar, colaborando com eventos como o #RightLivelihoodAward (também conhecido como Alternative #NobelPrize) ou a campanha ID Europa (do Parlamento Europeu). Juntou-se aos Global Shapers em 2019.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.