Este texto é sobre feminismo, bruxaria e o que se está a passar na Polónia.

Passaram dez dias desde o início das mega-manifestações na Polónia.

Durante os últimos dez dias, centenas de milhares de pessoas saíram às ruas das principais cidades do país para protestar, como não haviam feito até agora, contra o Governo.

No dia 22 de Outubro foi aprovada, na Polónia, uma lei que criminaliza o aborto por malformação do feto. No ano passado 1074 dos 1100 abortos feitos na Polónia deveram-se a malformações do feto. Com a mudança na lei seriam ilegais.

A Polónia, um país de 38 milhões de habitantes, com forte tradição católica, já possui uma lei antiaborto que está entre as mais restritivas da Europa.

Esta “época festiva” e esta luta pelos direitos das mulheres e pela liberdade fez-me lembrar a caça às bruxas na Europa e respetivas colónias que ocorreu entre o século XV e XVIII (1400-1800). O termo “bruxa”, nestas caças, correspondia a alguém que, alegadamente, ganhava poderes mágicos através da devoção ao Diabo, em vez de a Deus.

O movimento ganhou força após o Papa ter dado a um frade e teólogo, chamado Heinrich Kraemer, permissão para conduzir uma inquisição em busca de bruxas, no ano de 1485. Kraemer escreveu um livro chamado Malleus Maleficarum, ou “Martelo das Bruxas”, que argumentava a existência de bruxas e sugeria táticas cruéis para as caçar e condenar.

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Normalmente, a caça à bruxa surgia de um infortúnio: colheita fracassada, gado doente ou um bebé natimorto. A bruxaria foi considerada, durante muito tempo, crime, dando direito a prisão, pelourinho ou execução. Estudos demonstram que só no século XVI existiram mais de 90 mil pessoas oficialmente acusadas de bruxaria, metade destas foram executadas e mais de 90% eram mulheres. A última mulher “bruxa” a ser queimada viva em Portugal, foi em 1933, mais próximo da nossa realidade do que pensamos.

Este texto é sobre feminismo, bruxaria e o que se está a passar na Polónia.

Ainda na Polónia, a comunidade LGBTQI+ tem sido uma forte aliada na liderança dos mais recentes protestos. Em Junho deste ano, o presidente Polaco Andrzej Duda assinou  “The Family Card”, declarando defender o matrimónio como uma relação de homem e mulher, não permitindo a adoção de crianças por casais homossexuais e proibindo a “ideologia LGBT” nos espaços públicos. Num dos seus discursos, o presidente comparou a “ideologia LGBT” com “doutrina comunista”. A televisão pública polaca tem sido manipulada pelo partido governante, desde que foi eleito, em 2015, e, recentemente, distribuiu um documentário chamado “Invasão” que espalha o medo em relação à “ideologia LGBT”.

Um terço do território Polaco já é declarado como zona sem LGBTQI+ que, apesar de não ter valor legar, é um sinal para a comunidade de que os seus membros não são bem-vindos.

A realidade na Polónia não poderia soar mais a história de terror. Assim como o facto de, ao ritmo atual, a igualdade de género só ser atingida dentro de 99 anos.

Hoje, o movimento feminista utiliza a expressão “bruxa” como símbolo de empoderamento e perseverança. Hoje, os polacos estão a sair à rua num grito conjunto pela Liberdade.

Este texto não é apenas é sobre feminismo, bruxaria e o que se está a passar na Polónia. Este texto é sobre Liberdade, sobre Direitos Humanos, Dignidade e Igualdade.

Este texto é sobre ter voz e ser-se ouvido.

Nota: a frase do título deste artigo é da autoria de Arthur Diogo.

Carolina é, actualmente, fundadora do movimento Tipping Up, que pretende mobilizar e capacitar uma nova geração de media activists, e trabalha ainda nas Nações Unidas, no âmbito da UNSDG Action Campaign. É também Co-Directora da Sathyam Project, uma associação em Chennai (India), que trabalha na capacitação de raparigas e mulheres através da educação para quebrar ciclos de pobreza nas famílias. Enquanto embaixadora do #HeForShe, fundou e implementou o movimento em Portugal, mobilizando jovens para a igualdade de género e direitos LGBTQ. Durante o seu percurso, sempre trabalhou em comunicação, criação de conteúdos e impact storytelling dentro das organizações pelas quais passou e movimentos que ajudou a criar, colaborando com eventos como o #RightLivelihoodAward (também conhecido como Alternative #NobelPrize) ou a campanha ID Europa (do Parlamento Europeu). Juntou-se aos Global Shapers em 2019.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.