Os deputados municipais do Chega quiseram pedir à Câmara para criar uma unidade da Polícia Municipal dedicada especificamente a combater os grafitis em Lisboa. Esta nova unidade serviria para identificar os selvagens e entregá-los aos órgãos competentes da polícia criminal. Já existe uma lei, aprovada e publicada em 2013 para regrar o grafiti, devidamente certificada com o selo progressista de “limite à liberdade de expressão”. Exige que o exercício seja cometido em suportes autorizados pelos proprietários, e exige também o licenciamento pelas Câmaras mediante a apresentação de projectos. Fora destes “limites à liberdade de expressão”, os grafitis constituem crime de dano contra o património.
A proposta do Chega foi previsivelmente rejeitada na Assembleia Municipal. Ainda assim, é bom que se saiba como se comportaram os partidos. Bloco, Livre, deputados “independentes”, PEV, PCP, PAN, IL, MPT, Aliança e PSD votaram contra. Os auto denominados “liberais” prescindiram de proteger a propriedade privada; recitaram o estremecimento do seu coração pelos portentosos autores de “arte urbana” e declararam que é mais urgente, no entender deles, resolver problemas de poluição e de carros parados em segunda fila. O PSD deixou-se entrouxar na distinção manhosa entre grafitis e “tags”, avançando sem misericórdia contra o Chega para defender que o grafiti é, sem sombra de dúvida, “uma arte e uma manifestação cultural”.
PPM e PS abstiveram-se. O deputado do PPM teve a coragem de não contestar o Chega, sobretudo num tema dado a “fracturas” bem-pensantes. E o PS absteve-se porque pode. O PS manda, mesmo quando não governa; o PS estabelece e atribui a certificação moral do regime; o PS nunca precisa de fazer prova das suas credenciais democráticas.
Chega e CDS foram os únicos partidos que votaram a favor. E em bom rigor podemos resumir toda a votação de uma maneira mais simples. Toda a extrema-esquerda votou como um realejo contra a perseguição aos grafitis; quase toda a direita votou como um realejo contra o Chega. O PS não conta. O PPM teve coragem, o CDS teve juízo e o Chega teve razão.
Meia dúzia de observações básicas. Os grafitis destroem a propriedade, privada ou pública; insultam as esculturas e os monumentos; desencorajam as pessoas de usar os transportes públicos; provocam um sentimento de insegurança em frequentar certos bairros e zonas comerciais, por medo dos gangues. Há comerciantes cujas lojas ficam sem clientes, e há moradores com receio de entrar e sair de casa. Os grafitis são também um dos tipos de vandalismo mais caros de remediar, pela natureza dos estragos e altíssimos custos de limpeza. Entre 2016 e 2019, a Câmara de Lisboa gastou 5.888.550,00 €. Ou seja, no intervalo de três anos, os grafitis absorveram quase seis milhões de euros em dinheiros públicos para os remover. Um esforço que, de resto, não resolveu o problema como se percebe numa simples volta a qualquer quarteirão, em qualquer bairro de Lisboa. Mais: a Carris, o Metro e a CP gastam todos os anos milhares de euros a limpar autocarros, eléctricos, e comboios. E os elevadores da Bica, do Lavra e da Glória, que tão depressa são limpos logo voltam a ser vandalizados, como os jornais não se cansam de escrever há décadas.
Mas pesa sobre o grafiti a resignação atrevida e cobarde com que tem sido imposto. Os governantes e, neste caso, os vereadores mostram-se inseguros, sentem-se pressionados a enaltecer aquilo. Ao ponto de inventarem um departamento da Câmara, baptizado Galeria de Arte Urbana, abertamente destinado a promover o grafiti, ainda que o tentem empurrar para locais autorizados. Dizem que o mal não está nos grafitis, mas sim nos “tags”.
Tudo isto passa pela perspectiva estreita com que a esquerda encara a educação e nos submete à ditadura “woke”. Em vez de ensinar os vândalos a desenhar e pintar, dizem-lhes que o grafiti é respeitável e chamam-lhe “arte” urbana. Não é arte. Em noventa e muitos porcento dos casos é lixo. Faz impressão a quantidade de coisas que é preciso os governantes não compreenderem para se deixarem meter neste sarilho. Nem todo o barulho é música, como nem tudo o que se pinta ou desenha é “arte”, e nem tudo o que se escreve é “literatura”. As coisas precisam de ser ensinadas e estudadas para ter qualidade e chegarem ao estatuto de “arte”. Os artistas de verdade merecem essa consideração.
Quem ouve a reverência com que as nossas vanguardas falam de grafiti pensa que estamos perante pintores elaboradíssimos, génios de Florença, de Milão ou do México. São governantes que começam as frases desejando “boa tarde a todas e a todos”, exibindo a maneira “humanista” de responder às perplexidades do mundo; e defendem a “expressão”, a “cidadania”, e a “arte urbana” com unhas e dentes, como se nós, os brutos, perseguíssemos Diegos Rivera. Ou melhor, Diegas e Diegos. Génias e génios, Leonardas e Leonardos da Vinci.
Mas não. O que temos são bandos de selvagens, de vândalos, matarruanos e desordeiros. Não há ali “arte” nem “cidadania”, nem “liberdade de expressão” nem coisa nenhuma. De caminho, e para efeitos práticos, é impossível distinguir entre grafitis e “tags”; não se consegue estabelecer, com a precisão necessária, onde acaba uma coisa e começa a outra. E o grafiti é, por definição, um acto de rebeldia e um desafio às autoridades; quando o pintam em sítios autorizados não é “grafiti”, é pintura mural. Por motivos de ordem e de bom governo, o grafiti propriamente dito deve sofrer a intolerância dos poderes públicos.