O universo mediático está naturalmente absorvido com a guerra na Ucrânia, pelo que, a tomada de posição do Partido Comunista Português me faz refletir sobre um outro tema: os extremos do hemiciclo no nosso parlamento. Parece-me que é agora mais do que óbvio que os inimigos da Democracia e da Liberdade estão presentes nas duas extremidades do hemiciclo português, não só no extremo direito, mas igualmente no extremo esquerdo onde, infelizmente, ainda figuram partidos políticos que não se coibiram, e muito menos se envergonharam, de manifestar o seu apoio às ações imperialistas da Rússia e ao perfil autocrático de Putin. O Chega assumiu posição crítica à Rússia, mas nunca se inibiu de andar de braço dado e fotografar-se com defensores de Putin, como Le Pen, Salvini e Geert Wilders. O Bloco de Esquerda, com um perfil tão populista quanto o Chega, acabou por modificar o discurso, pressionado pela opinião pública. E o PCP, que é ideologicamente um partido antidemocrático, está finalmente a “surpreender” todos aqueles que acreditavam que a extrema-esquerda era simpática e democrática.

Lembro-me perfeitamente do meu primeiro ato eleitoral. A satisfação de poder ir às urnas, naquele ano de 1997 conceder o meu voto ao – na altura ainda designado – Partido Popular, levava-me a encarar, seguindo o eixo clássico e simples “esquerda-direita”, o meu perfil político como estando enquadrada na “direita”.

Porém, logo no seguinte ato eleitoral, já em 1998, o meu voto “SIM” como resposta à pergunta do referendo que questionava se “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?” era considerado um voto de “esquerda”.

Nunca me defini como pessoa de direita. E tampouco como pessoa de esquerda. Porém, ser “centrista” também não me convencia. Por estas razões, ao longo de mais de 20 anos, estive num estereotipado limbo e nunca me identifiquei verdadeiramente com partido algum. Ia votando consoante a intuição e nunca me reconheci de forma pragmática em nenhuma das ideologias estabelecidas na oferta política portuguesa. Confrontei-me, muitas vezes, com uma enorme dúvida existencial: qual o espectro político em que me poderia circunscrever?

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Em 2019 reparei num cartaz na Rotunda do Marquês de Pombal. Estava estrategicamente posicionado e inteligentemente construído. Captou a minha atenção o suficiente para o registar numa fotografia e ir pesquisar sobre o assunto e foi desta forma que descobri que, afinal, toda a vida fui liberal. Apenas (ainda) não o sabia.

Por estes dias deparo-me com outra questão. Por que motivo vejo, oiço e leio alguns liberais incomodados com a tomada de decisão de a Iniciativa Liberal pedir para se sentar no centro do hemiciclo? Ainda por cima não sendo um pedido novo, logo coerente, uma das característica que me tem agradado na IL. Refletindo sobre a atual realidade do hemiciclo português, fará ainda algum sentido que os liberais se mantenham posicionados na ponta direita? E ainda assim, mesmo que essa seja a decisão tomada em conferência de líderes, continuo a questionar-me: se a Iniciativa Liberal permanecer sentada à direita – ou mesmo que um dia se venha a afirmar como partido de direita – então eu passo a ser uma pessoa de direita? Não. Até porque mais relevante é a consistência das tomadas de posições, votações e propostas apresentadas.

Poder afirmar-me como liberal dá-me, logo à partida, um enorme conforto semântico e a liberdade de não ficar presa aos estereótipos existentes do que é de esquerda ou direita. Não me obriga a restringir em nenhum dos dois habituais campos político-partidários – nem à direita, nem à esquerda – e confere-me uma opção em que posso defender políticas que estão, verdadeiramente, alinhadas com os meus valores e visão de sociedade. Por ser liberal posso argumentar convictamente a favor da eutanásia ou da liberalização da cannabis, sobretudo com uma visão bem diferente do Bloco de Esquerda, que sobre a capa da liberdade afinal o que pretende é o intervencionismo estatal, bem como, em simultâneo, afirmar que muito embora não professe qualquer religião, defendo a liberdade de culto e as crenças mais dogmáticas. Defendo sim, a liberdade individual, a não existência de lógicas proibicionistas, ou seja, uma sociedade onde cada indivíduo pode decidir, em consciência, o que entender fazer, numa lógica liberal.

A etimologia da palavra “ambidestro” ensina-nos que a mesma deriva do francês ambidextre, com raízes no latim tardio ambi-, que significa “ambos”, e Dexter, que significa “certo” ou “favorável”. Por isso, o “ambidestro” é, literalmente, “ambos certos” ou “ambos favoráveis”.

A ambidestria parece-me assim, muito favorável como analogia para esta reflexão e pode ser a resposta para muitas das perguntas que estejam a permear a mente de quem se sente liberal e pense como eu. A capacidade de adotar visões e valores, conotados como de direita, ou como de esquerda, com igual facilidade é uma habilidade que os ambidestros possuem. E os liberais, seguramente, também.