Desde os primórdios da História que o Homem sempre se viu envolto em exploração. Estados despóticos sempre influenciaram aquilo que os povos podiam pensar, dizer ou fazer. Nunca houve uma verdadeira liberdade naquela que é a sua definição mais ampla, denotada pela acumulação de todos os poderes numa só figura, uma Justiça quase inexistente para certos elementos da sociedade e uma desigualdade social extrema.

Os diferentes povos dos vários Países foram sentindo a necessidade imperativa de impor limites aos poderes ilimitados que os Estados vinham exercendo perante os cidadãos. Tal tendência começou por se verificar no continente americano através da primeira Bill of Rights registada – a Declaração de Direitos da Virgínia – e rapidamente se alastrou para a Europa, onde se tornou mais patente após a Revolução Francesa, com a proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Esta foi a forma que os Países do Ocidente arranjaram para se iniciar o processo de acorrentar o indomável Leviatã de Hobbes. Uma tarefa que ainda hoje perdura no tempo.

Assim se alcançaram os três pilares que, a meu ver, sustentam qualquer Estado onde realmente existe uma efetiva liberdade enquanto instrumento de evolução, tanto a nível individual como coletivo: a liberdade de pensamento; a liberdade de associação; a liberdade de expressão.

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 Estas três vertentes da liberdade devem tender para o absolutismo face à figura do Estado, mas nunca perante a figura dos restantes cidadãos.

Nunca o Estado deverá por quaisquer artifícios ou artimanhas tentar moldar o pensamento dos cidadãos. Nunca o Estado deverá impedir a liberdade de associação dos cidadãos, quer no âmbito da esfera privada quer no âmbito da esfera pública – tanto a nível micro (formação de associações ou movimentos locais) como a nível macro (formação partidos políticos). Nunca o Estado deverá impedir que os cidadãos se expressem livremente.

Todavia, há um limite que deve ser respeitado aquando do exercício dos direitos conferidos pela existência de liberdades – não meramente através do exercício destes direitos em específico, mas sim de todo e qualquer direito consagrado naquele que é o texto com supremacia jurídica no nosso ordenamento jurídico: a Constituição da República Portuguesa.

Esse limite, tão básico que até o mais comum dos mortais nele pensa quase que diretamente, é a Lei. Qualquer ação que no exercício destes direitos contrarie a Lei tem de ser julgada. Caso se dê como provado o incumprimento da Lei, o réu deve ser condenado. Este princípio deve ser um dos princípios norteadores daquilo que é um Estado de Direito Democrático, como o é o nosso.

Qualquer Estado de Direito Democrático que dignifique esse nome deve possuir, ainda, órgãos de comunicação social independentes e isentos de quaisquer paternalismos decorrentes da atividade diária do Estado. Esse é o único caminho de forma a que consigamos alcançar uma sociedade que olhe para o Jornalismo enquanto um meio de vigilância permanente do exercício dos poderes dos órgãos públicos.

Como tal, nem a independência nem a liberdade dos órgãos de comunicação social podem nunca ser colocadas em causa em nome de uma possível ameaça ao conteúdo que estes órgãos possam emanar. Nunca a possibilidade da existência de fake news, o perigo do surgimento de partidos populistas ou de ideologias mais extremadas devem servir de desculpa para se impedir a instituição do Jornalismo de atuar.

É no campo da discussão que as ideias devem ser combatidas, nunca no campo da “cultura de cancelamento”. Apenas com a discussão e com o debate de ideias se consegue evoluir. Assim funciona com os diferentes paradigmas nas ciências naturais, algo que ficou provado com a prevalência da teoria heliocêntrica (cancelada) face à geocêntrica (apoiada pelos diferentes regimes). Assim deve funcionar, também, com as diferentes formas de ver o Mundo no campo das ciências sociais e humanas.

Todavia, o Estado Português tem pugnado pela adoção de micropolíticas de cancelamento. E é isso que temos vindo a vivenciar no ordenamento jurídico português desde a entrada em vigor da Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital  – o documento onde, aparentemente, estão plasmados os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos no ciberespaço.

Mas será mesmo assim?

Por exemplo, o mais polémico artigo – o artigo 6.º – da CPDHED apresenta-nos, no limite, a criação de órgãos estatais direcionados à validação da narrativa oficial que o Estado pretende transmitir. Qualquer informação, notícia ou publicação que se desvie do padrão orientador estatal pode ser considerado como desinformação e, portanto, pode receber ordem de retirada imediata.

À partida, num Estado de Direito Democrático onde existem órgãos independentes e sem quaisquer ligações aos partidos do poder, pareceria uma boa ideia. Todavia, poderemos estar perante uma enorme rampa deslizante, como se tem vindo a observar no caso da Rússia.

No seguimento da invasão da Rússia à Ucrânia, qualquer comportamento dos órgãos de comunicação social que se desvie da narrativa oficial estatal já foi proibido pelo regulador russo. Quaisquer referências aos termos “invasão”, “ofensiva”, “declaração de guerra” ou a civis mortos terão de ser obrigatoriamente substituídos por “operação militar especial destinada à manutenção da paz”.

Putin encontra-se, atualmente, a tentar reescrever a História dentro da Rússia. Procura legitimar esta guerra junto do seu próprio povo, através da utilização de campanhas de desinformação. Esta campanha tem tão eficaz que, por exemplo, várias são as manifestações de apoio à invasão pelo mundo fora de desportistas russos.

Por seu lado, do que é público, Portugal não tenciona avançar em direção a Espanha para recuperar Olivença nem tenciona reclamar o direito de propriedade do Brasil face ao Tratado de Tordesilhas. Todavia, a Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital já se encontra em vigor no nosso ordenamento jurídico, dando azo ao mesmo tipo de abordagens junto dos órgãos de comunicação social.

Certo é que temos aqui patente uma clara violação do princípio constitucional da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social (artigo 38.º CRP). Todavia, nem o Presidente da República, constitucionalista de renome, teve a coragem política suficiente para requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade do artigo 6.º deste diploma.

Conquanto, será que existe uma real liberdade de imprensa no nosso País? Será que desde 1975 temos conseguido alcançar uma sociedade aberta, plural e democrática? Até perante os diversos órgãos de comunicação social?

Nos últimos anos vários têm sido os escândalos em volta de jornalistas de investigação que são miraculosamente afastados dos seus programas, ou até da vida profissional ativa, enquanto realizam investigações ligadas a determinadas pessoas diretamente relacionadas ao Estado Português ou, até, ao partido que governa.

Já em 2009 se falava de casos de ingerência do Estado em programas de televisão – José Sócrates alegadamente conseguiu suspender o programa Jornal de Sexta da TVI apresentado por Manuela Moura Guedes. Em 2021, ainda andávamos em volta de situações deste mesmo caráter. Depois de criticar várias posições assumidas por diversos elementos do Governo de António Costa, o programa Sexta às 9, coordenado pela jornalista Sandra Felgueiras, da RTP foi suspenso.

Vivemos num pseudo-Estado de Direito Democrático onde existe uma guerra aberta, declarada há já muitos anos, entre a figura do Estado e todos aqueles que têm o dever moral e cívico de fiscalizar o exercício do poder público e os detentores desse poder. O maior problema é mesmo o facto de o povo continuar sereno face a esta prática constante e reiterada que se tem vindo a observar ao longo dos diversos mandatos por todos aqueles que consideram pertencer a uma suposta elite.

Para piorar este retrato do contexto da liberdade de imprensa em Portugal só mesmo o retrato do contexto da liberdade de expressão. A Amnistia Internacional colocou em março deste ano Portugal na lista de Países que condicionam a liberdade de expressão.

Possuímos uma democracia já em risco: o crescente desinteresse da população pela democracia, evidenciado pelas elevadas taxas de abstenção; o ataque permanente e inconstitucional aos direitos, liberdades e garantias individuais de cada cidadão com o pretexto da pandemia; o aumento exponencial do polvo que compõe o tão afamado Partido-Estado; etc.

Ao invés de nos focarmos em criar soluções para os problemas que enfrentamos diariamente na nossa democracia andamos entretidos a criar mais problemas. Sempre foi este o problema de Portugal. É este o principal motivo que nos leva a nós jovens a desinteressarmo-nos pela causa pública. É este o motivo que nos leva a nós jovens a emigrar.

É seguro afirmar que liberdade a liberdade a democracia é-nos tomada. Está nas nossas mãos impedir que este seja o caminho a continuar a ser trilhado durante mais quatro anos. Graças à maioria absoluta do Partido Socialista, a luta passará da Assembleia da República para as ruas.

Portanto, onde queremos que Portugal se encontre ao certo daqui a quatro anos? Vemo-nos a continuar a ser dominados por um Estado paternalista que nos quer dizer o que podemos pensar, ler ou sequer dizer? Vemo-nos a ter de volta o Lápis Azul do Estado Novo passados 48 anos da Revolução dos Cravos?

Nas palavras de John Stuart Mill: «O juízo é dado às pessoas para que o usem»  (Sobre a Liberdade. Lisboa: Edições 70, 2021. P. 53).