O direito à greve e à manifestação é algo que está consagrado na nossa Constituição, sendo o mesmo legítimo e importante para uma democracia avançada e exigente.
Porém, tal como qualquer outro direito, as greves e as manifestações devem ser feitas de forma responsável, moderada e sem colocar em causa os princípios básicos para o normal funcionamento da sociedade e dos diversos serviços.
Sabemos que quando se planeiam greves e manifestações, as mesmas têm sempre impacto. Não faria sentido se assim não fosse. Os impactos servem para chamar a atenção e à razão dos diversos responsáveis políticos.
Olhando para os tempos de hoje, verificamos que a forma e, em alguns casos, o conteúdo nem sempre são adequados e toleráveis.
Os recentes episódios que envolveram os bombeiros demonstram precisamente isso. Não está em causa a legitimidade da manifestação, mas, principalmente, a forma como decorreu.
Não é aceitável que se desrespeite uma força de autoridade, se arremessem tochas, incendeiem objetos e se passe uma imagem de desordem. Quando o mesmo é praticado por organismos que devem ser os primeiros a passar uma imagem de responsabilidade e de segurança, como é o caso dos bombeiros, a situação é menos compreensível e aceitável.
Se os bombeiros tinham razão no seu protesto, perderam-na pela forma desordeira como o fizeram. Mas há outro aspeto que deve ser refletido.
Para haver credibilidade nos pontos que se defendem e se reivindicam, é necessário que haja coerência na forma e no conteúdo.
Se ao longo dos últimos anos as corporações não se manifestaram, qual o sentido de se “acordar” agora para os problemas e de se manifestar quando o governo está em funções há pouco tempo? Que lógica tem fazê-lo de forma violenta e desordeira quando nos últimos 8 anos pouco ou nada fizeram?
Importa salientar que os bombeiros já tinham tido um protesto fora do que é aceitável há bem pouco tempo, na manifestação em frente ao Parlamento.
A coerência e a seriedade são pilares fundamentais para se conquistar o respeito e a proximidade dos intervenientes.
O Governo fez bem em suspender as negociações. Nenhum agente político pode aceitar negociar sob forma de pressão, muito menos de violência e desordem.
Tem sido notório um escalar de violência nas manifestações e nos protestos.
Importa fazer uma análise profunda e séria que permita perceber o que está na origem do aumento da violência.
Vamos verificando uma certa tendência para a partidarização de sindicatos, movimentos e organismos. Isso é perigoso para o normal e saudável funcionamento do sistema político e da democracia.
A instrumentalização e partidarização retira credibilidade e força aos movimentos e organismos. A criação da designada Geringonça é um bom exemplo.
Nessa altura verificamos que os sindicatos afetos ao PCP perderam força e credibilidade. Mais do que isso, as pessoas deixaram de se sentir representadas, o que levou a que partidos como o PCP e Bloco de Esquerda perdessem eleitorado.
É fundamental perceber que o aumento da violência pode estar associado ao crescimento da extrema-direita e a possíveis ligações de organizações e sindicatos a essa força política.
O combate aos extremismos não pode ser feito na base de banalizar e ignorar os discursos e as ações dessas forças políticas.
Combater os extremismos implica desfazer a narrativa, denunciar discursos populistas e, principalmente, rebater ideias e posições. É dessa forma que se consegue provar e passar a mensagem de que os extremismos não são mais do que forças que se alimentam do populismo e usam setores frágeis da sociedade para implementar os seus objetivos e as suas ideias.
Noutro âmbito, a lei da greve deve ser analisada e revista, de forma a adaptar a mesma para os tempos e as necessidades da sociedade atual.
Tem-se verificado um uso e abuso da utilização do direito à greve, o que fez com que a mesma se tornasse banal e se tenha descredibilizado.
Há uma tendência abusiva para a utilização das segundas e sextas-feiras para a marcação de protestos e greves. Isso faz com que a sociedade comece a olhar para esse direito como a promoção de fins de semana prolongados ao invés de um recurso para reivindicar direitos e deveres.
Essa postura e forma de estar tem levado a uma divisão entre o setor público e privado, levando a um aumento da saturação da sociedade.
É necessário conquistar a confiança. Para isso, o diálogo é fundamental.
Os diversos setores da sociedade devem reunir-se para rever a lei, debater estratégias e reformas a médio e longo prazo sem linhas vermelhas.