Na peugada da literacia financeira, ou ausência dela, há um conjunto de aspetos que convém salientar e que estão para lá de todos quantos tenho vindo a referir em alguns textos. Ou melhor, um deles é a base – e já o elenquei – e é esse que vou sublinhar. Qual? O medo. Todos os outros, de desconhecimento e de iliteracia, derivam deste? Não necessariamente. Ou até talvez. Mas o medo é uma variável transversal a Portugal. Se quiséssemos caracterizar o povo português, sem generalizações precipitadas, estou certo de que a variável e a quantidade de perfis psicológicos que apareceriam seriam os mais ligados ao medo. No Eneagrama, um exemplo não científico, mas que ajuda a entender, este é um país de 6’s.
Ao contrário do que se diz por aí, que a Alemanha será o país dos 6’s – em algumas características dou de barato mas na maioria não me parece – porque o perfil é outro, se o 6 (pouco saudável) não for a representação de Portugal então não sei o que será – medo, questionamento, pessimismo, fado, saudade, necessidade de segurança, “ver para crer”, desconfiança, inveja, perigos a cada esquina, “agarrem-me senão eu mato-o”, crenças estapafúrdias, cenários pessimistas plurais, Cassandras encartadas por todo o lado. Por alguma razão José Gil escreveu Portugal, o medo de existir. Por alguma razão não é preciso apenas um plano de literacia financeira ou ensinar os fundamentos das finanças. Porquê? Porque continuarás a ter medo. E o medo não vem – estou em crer – apenas do desconhecimento. O medo é emocional. É uma dimensão complexa de ultrapassar. É cultural. Está-te enraizada. É-te demasiado visceral.
Porque és e porque somos assim?
O medo é não mais que uma resposta adaptativa que tens, enquanto ser humano, e que desempenha um papel central – quando exagerado, prejudicial – à tua sobrevivência. É, por isso, também um instinto de sobrevivência. E que preço não pagas para sobreviver e subsistir? Se andares quase sempre em modo de sobrevivência não será difícil entender.
É uma aprendizagem por associação, por meio de estímulos negativos que exponencia, levando-te a criar uma associação permanente entre o negativo, o estímulo e a emoção sequente. A mimetização do passado para o futuro está assim garantida e propagada por ti e pela sociedade. Porque será tão complexo mudar Portugal? Por causa do teu e do nosso medo. O que tens, conheces, o que não tens, lá vem o cenário negativo.
Mesmo o medo social, de rejeição e humilhação e da crítica social é um aspeto frequentíssimo em Portugal. Esta permanente ausência de sentimento de pertença e a necessidade constante de afirmares que pertences a alguma coisa e que o A ou o B são teus amigos, sem o serem, são apenas sinais de medo.
Ou ainda o medo de falhar, um clássico. Até porque a tolerância à falha, em Portugal, não existe. Falhas e és proscrito. Às vezes mesmo antes de falhares.
E o medo de perderes o controlo? E a ansiedade que advém dessa perda de controlo?
Portanto, para melhorares a tua performance financeira individual, e melhorarmos a performance coletiva, precisas muito de trabalhar o medo. Acho que isto daria um excelente curso. Um curso sobre como excluir o medo, como gerir o medo, como dominar o medo. Esse curso, ainda que dificilmente monetizável, deveria ter sempre sala cheia.
Qual o problema final: não reconheceres que tens medo.
Ora, numa sociedade livre e plural é essencial a exposição do pensamento livre: do que há e do que falta. No fundo, é medo (revestido de várias formas e feitios) o que te tolhe. E esse medo impede-te de avançar social, económica e até politicamente. Uma sociedade avançada é uma sociedade que gere o medo e o troca por um futuro melhor. Quando há falta de perspetivas futuras o medo instala-se. A inércia permanece. Só que para haver perspetivas futuras é preciso que faças a gestão do medo. Não há futuro sem que haja uma gestão do medo. E esta é talvez a principal mudança que deveria existir em Portugal. A bem da literacia financeira e da prosperidade enquanto povo e nação.
PS: Obviamente que nada do que disse correlaciona com irresponsabilidade. Uma coisa é medo. Outra irresponsabilidade. Imaturidade. Até aventureirismo desinformado.