Desde que sou gente lembro-me de ler artigos de opinião no Verão dedicados a sugestões de livros. Depois de um ano a escrever no Observador, uma óptima experiência pela qual estou muito grato ao José Manuel Fernandes, Miguel Pinheiro e Pedro Castro, tenho eu próprio a oportunidade de escrever um artigo com algumas sugestões de livros de Verão. Não pretendo com esta lista ser um prosélito da leitura em geral, nem destes livros em particular. Aliás, acho a ideia de livros de Verão bastante curiosa, mas isso será assunto para uma outra crónica, quem sabe no próximo Verão. Como sempre, a lista que se segue tem apenas um único denominador comum: o prazer.
- Akhil Sharma – Family Life. Sharma é filho de um casal de Indianos que se mudaram de Nova Deli para New Jersey em busca do sonho americano. Num exercício maior de autoficção, o autor relata-nos o acidente do irmão que, aos 12 anos, quando havia sido admitido ao Bronx High School, um liceu de elite que já produziu vários prémios Nobel, sofre um acidente numa piscina que o deixa em estado vegetativo. O acidente muda para sempre a vida da família, havendo um questionar constante sobre se o irmão ainda estaria bem se a família tivesse permanecido na Índia. Entre o alcoolismo do pai e o crescimento abrupto de Sharma, o livro relata a integração na sociedade americana no meio de um desastre familiar. Se lerem apenas um livro este ano, este é um candidato.
- Deborah Levy – Direito de Propriedade. O último tomo de uma trilogia biográfica da autora britânica nascida na África do Sul. Neste último livro, recupera a grande forma do primeiro volume da trilogia, debruçando-se sobre a ida da filha para a universidade e a sua estadia em Paris com uma fellowship de escrita. Levy projecta no affair de um dos seus melhores amigos o seu próprio divórcio e o modo como uma mulher de meia-idade reconstrói a vida, física e mentalmente, num momento de mudança.
- Ulrich Alexander Boschwitz – O Passageiro. Uma surpresa que apareceu no início do Verão. Mais um livro que é um misto de biografia e de romance, apesar de não poder ser chamado de autoficção porque alguns dos instrumentos deste estilo ainda não haviam sido inventados quando foi escrito. Apesar dos avisos recorrentes, Otto Silbermann é um judeu burguês abastado que vive em Berlim e que, apenas depois da Noite de Cristal, quando milícias nazis atacaram negócios de Judeus em toda a Alemanha em Novembro de 1938, percebe o beco sem saída onde está colocado. Apesar de já terem sido escritos milhares e milhares de livros com o Terceiro Reich como pano de fundo, este é especialmente interessante na medida em que foi escrito logo em 1938 e relata o isolamento social crescente em torno dos Judeus. Sem saber o que fazer, e depois de uma fuga frustrada pela fronteira belga, Otto anda de comboio pela Alemanha sem destino. O manuscrito do romance havia sido esquecido em Frankfurt e só recentemente foi encontrado, notando-se, obviamente, a necessidade da revisão que o autor havia já concluído quando morreu num ataque submarino quando voltava ao Reino Unido depois de ter estado num campo de concentração na Austrália.
- Integrado Marginal – Bruno Vieira Amaral. A biografia de José Cardoso Pires tem aparecido recorrentemente nas listas de livros de 2021. Reitero o meu cumprimento a Bruno Vieira Amaral, acima de tudo, pela capacidade em retratar, mais do que um homem, uma época e uma geração de escritores em transição entre a ditadura neorrealista e a liberdade pós-25 de Abril. O livro relata de forma magistral quem foi Cardoso Pires e os ambientes onde se movia, com passagens longas sobre os seus principais livros. Depois de ler a biografia, fiquei com vontade de reler a Balada da Praia dos Cães e, confesso, que fiquei desiludido. Já não havia ficado muito impressionado da primeira vez, mas, desta vez, apesar dos encómios, pareceu-me um livro excessivamente barroco e datado. Digo barroco na medida em que Cardoso Pires pretendia – pelo que lemos na biografia de Vieira Amaral – seguir os mestres americanos com a sua escrita depurada e seca. Tem algumas passagens brilhantes. Mas não deixa de ser um livro escrito por alguém mentalmente criado no Estado Novo e que nunca de lá saiu. Comparado, por exemplo, com o seu contemporâneo Jorge de Sena, Cardoso Pires é francamente esquecível enquanto escritor.
Boas férias!