Este escândalo internacional, no qual a credibilidade de Portugal é atingida de forma violenta, não pode ser ignorado pelo nosso sistema bancário nem pela justiça portuguesa, doa a quem doer. Se virarmos as costas a este problema, é o próprio Estado de Direito que está colocado em causa.
As consequências económicas, sociais, empresariais na sociedade são profundas. O caso Luanda Leaks aprofunda a desconfiança dos cidadãos nas instituições democráticas, na justiça e no próprio regime português.
Mais uma vez, a nossa supervisão falhou na proteção dos interesses de todos os cidadãos. Já em 2015, o Banco de Portugal detetou graves deficiências na prevenção do branqueamento de capitais no Banco EuroBic. Nessa inspeção descobriu também que Isabel dos Santos não foi identificada como Pessoa Politicamente Exposta e que o banco não identificava qual era a verdadeira origem das transferências realizadas a partir de Angola.
Ninguém pode deixar de considerar suspeito que um banco português, liderado por um antigo ministro das finanças socialista Teixeira dos Santos não tenha identificado a filha do, à data, Presidente de Angola como pessoa politicamente exposta. O Banco de Portugal identificou este problema no EuroBIC há 5 anos, não tendo daí tirado qualquer consequência. Temos, portanto, um Governador do Banco de Portugal que perante todas as evidências, com as graves falhas detetadas, ainda não retirou a idoneidade ao presidente executivo do Banco e ex-ministro das finanças, Teixeira dos Santos. Talvez a isto não seja estranho que o agora Presidente executivo do BIC tenha sido um dos principais responsáveis pela sua nomeação como Governador do Banco de Portugal em 2010.
Posto isto, devemos também falar sobre a investigação em si.
Em Portugal a prova obtida ilegalmente pelo pirata informático Rui Pinto pode ou não ser utilizada?
No nosso sistema jurídico dizem-nos que a resposta não é clara, mas noutros sistemas jurídicos europeus, sem prejuízo de Rui Pinto poder responder criminalmente, a prova poderia ser usada para julgamento de eventuais crimes: é permitida a utilização de uma prova que o Estado tem conhecimento, ainda que obtida ilegalmente por um privado.
O caso Rui Pinto levanta questões à política sobre como lidar com estas situações. Perante os casos concretos há dois erros a evitar: ignorar, por um lado, e cavalgar uma onda mediática que gerasse leis à medida dos casos por outro. Sendo que já existem atualmente medidas atenuantes para o agente que, tendo praticado um crime, colabora posteriormente com a Justiça, podemos, no entanto, questionarmo-nos se devemos rever o tratamento dado a quem colabora com a justiça, sem correr o risco de fazermos uma “lei Rui Pinto”.
Faz sentido fazer o debate que permita, com serenidade, desenvolver o enquadramento legal de forma a que este integre as situações de fronteira que se têm vindo a generalizar fruto do desenvolvimento tecnológico e da interligação e circulação global da informação.
E não deixa de ser extremamente inquietante que Portugal esteja hoje mais preocupado em condenar o pirata informático do que em fazer justiça relativamente às graves informações reveladas por Rui Pinto.
Não queremos um sistema de justiça em que um “pirata” informático ou qualquer pessoa possa a seu bel prazer e pelas suas capacidades digitais, escolher como, quando e a quem a justiça se dirige. No PSD não é isto que queremos.
Não queremos também um sistema de justiça em que o ministério público seja substituído por qualquer pessoa com capacidades de aceder a informações privadas e onde o juiz sejam as redes sociais e o número de “likes”.
A bondade das informações divulgadas e a legalidade dos atos não pode ser avaliada de forma clubística, nem a dicotomia entre os bons e os maus, os dentro e os fora da lei, pode variar de forma arbitrária ou discricionária.
O recente congelamento do acesso às contas bancárias de Isabel dos Santos representa finalmente, algum avanço, embora possa ser, para muitos, uma medida “irritante”.
Por fim, a Comissão Europeia instou, esta semana, Portugal pela não transposição para a legislação nacional da quinta diretiva de combate à fraude e branqueamento de capitais. Este atraso não é só legislativo, é civilizacional. Tem de acabar o tempo da complacência social e política com situações de falta de transparência e com crimes económicos e de colarinho branco como os que estão a ser investigados.
Só com uma justiça célere, competente, respeitada e independente teremos um futuro melhor. Rejeitamos uma justiça que funcione apenas para alguns, fraca com os fortes e forte com os fracos! Precisamos de um Portugal que não seja só de alguns, mas de todos.