A inflação grassa na Zona Euro, atingindo o valor mais alto desde a introdução da moeda única. Em Portugal, o preço de um cabaz de bens alimentares essenciais aumentou 12,9% desde a invasão da Ucrânia, os combustíveis atingiram máximos históricos e a taxa de juro de novos créditos à habitação sobe para valores máximos desde 2018. A população empobrece e, face à parca capacidade de resposta do governo, procuram-se bodes expiatórios. Como tal, Medina já prometeu analisar o imposto sobre os lucros “caídos do céu” espanhol e o Bloco de Esquerda exigiu-o para as empresas do setor energético, considerando os resultados do semestre da Galp um “saque” à economia portuguesa.

Este tipo de linguagem não me espanta, dado o interlocutor da mensagem, mas é impossível ficar indiferente quando é dirigido a um mercado altamente concorrencial e regulado, como o energético, que tem vindo a ser atacado desde a diminuição do ISP, levando a ERSE a afirmar que não há prova de má-fé na formação dos preços finais dos combustíveis. Além disso, o deputado liberal Carlos Guimarães Pinto explicou que estes lucros resultam de fatores externos e, na sua maioria, são originados fora de Portugal. Portanto, é mais um péssimo serviço prestado à democracia e aos portugueses por parte de um partido extremista.

É sintomático da falta de literacia financeira e cultura de liberdade em Portugal que a solução para a vasta maioria dos problemas dos portugueses passe invariavelmente pela demonização do setor privado e da criação de riqueza, ignorando que, sem eles, não conseguimos ter um Estado moderno e capaz, que ampare quem mais precisa e equilibre as “regras do jogo”. Quem não se lembra de ver a deputada Joana Mortágua saudar as empresas que “todos conhecem” que não apresentam lucros? Será o alvo da sua ira os “lucros extraordinários” ou lucros per se?

Porque nunca propõem alterar um dos sistemas fiscais mais extrativos, complexos e burocráticos do mundo ocidental, que sufoca as famílias e os negócios? Porque ignoram que os trabalhadores sujeitam-se ao segundo maior esforço fiscal da UE e as empresas esbarram no quarto sistema fiscal menos competitivo da OCDE, sendo frequentemente apontado como um dos principais motivos da nossa estagnação? Como defendem mais um imposto sobre os lucros quando estes, para além de serem tributados a uma das taxas de IRC mais altas do mundo, ainda terão que pagar uma taxa de 28% para rumarem da esfera da empresa ao bolso dos seus acionistas? Como não reconhecem que 47% da fatura da luz correspondente a taxas e impostos e que os impostos que até à recente descidado ISP representavam 58% do preço final da gasolina são o verdadeiro “saque”? Para além disso, como se não bastasse, a inflação valeu um excedente de 1,1 mil milhões de euros nas contas públicas, graças sobretudo às receitas com o IVA que aumentaram 15,2% face a 2019 (e 26,9% face a 2021). Será o problema dos portugueses o “lucro excessivo” do setor empresarial ou serão as famílias e as empresas vítimas da cólera fiscal de um Estado inquisitivo e implacável com os rendimentos alheios?

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Temos que nos mentalizar que o lucro não só é ético, como desejável, ao incentivar e recompensar os investidores pelo capital e tempo arriscados na produção de bens e serviços úteis à sociedade, sem qualquer garantia de retorno. Tal como evidenciou Adam Smith, em A Riqueza das Nações, não é pela benevolência do talhante, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas pela consideração do seu próprio interesse. O lucro é também o garante da sustentabilidade financeira das empresas, dos salários dos trabalhadores, de receitas fiscais e dos contratos estabelecidos com os seus fornecedores e clientes, alimentando uma vasta e complexa teia de pessoas de diferentes etnias, credos e culturas. Os lucros permitem investir para aumentar e modernizar a capacidade produtiva das empresas e competir pelos melhores trabalhadores com salários mais altos, tornando-as mais competitivas e oferecendo um melhor produto ou serviço, beneficiando a sociedade como um todo. Por fim, os lucros são o motor do crescimento económico e da prosperidade, mas também permitem modernizar os serviços do Estado e diminuir o fardo da dívida pública que tolhe o futuro do país. Sem lucros não há esperança.

Por isso, o meu apelo é que desta vez deixemos os lucros em paz e paremos de assustar os corajosos empresários que ainda acreditam que vale a pena investir em Portugal. Para combater os efeitos da subida dos preços na carteira das famílias, em sede de IRS, devemos atualizar os escalões à inflação e permitir a dedução das despesas com juros do crédito à habitação. Para as empresas, importa diminuir o IRC e reduzir o IVA da eletricidade e dos combustíveis, bem como isentar de IRC os lucros investidos em matérias de descarbonização e I&D, para incentivar os empresários a enfrentar os desafios da transição energética e da falta de produtividade. A literatura académica mais recente evidencia que cortes nos impostos sobre os rendimentos das empresas traduzem-se em aumentos no PIB e produtividade visíveis em entre 5 a 8 anos.

Portanto, é imperativo reduzir este esbulho fiscal demolidor que arrasa os nossos magros rendimentos, ao invés de ameaçar as empresas com o arremesso de mais um imposto, principalmente quando o Estado é o maior beneficiário da inflação. Se queremos inverter a estagnação económica, que degrada os serviços públicos e empurra os jovens qualificados para além-fronteiras, os lucros têm que ser incentivados e celebrados.