Desde muito novo que sonho ser médico por razões que, naturalmente, foram evoluindo à medida que atingi certa maturidade. Os iniciais fascínios associados à profissão, muitos deles desmentidos, foram dando lugar a um propósito que muito me motivou e continua a motivar. Entendi, que em Medicina iria adquirir conhecimentos que me colocariam numa posição privilegiada para assumir uma vida de serviço. Um serviço tão único e belo, dirigido àqueles que, num máximo de fragilidade, confiariam em mim a sua vida. E confiariam em mim porque eu, em princípio, saberia como ajudar e quereria ajudar. Confiariam em mim, na segurança de que, até ao último segundo, o meu principal objetivo seria dar-lhes a cura que tanto procuravam e, se tal não fosse possível, proporcionar-lhes o conforto e companhia que a sua condição exige.

É isto que deve esperar-se de um médico. Que seja um agente de serviço cujo fim último seja sempre respeitar da melhor forma possível a dignidade da vida daquele que o procura, fazendo-se valer de todas as técnicas e conhecimentos ao seu alcance para promover esta mesma vida e nunca o contrário, num combate corajoso e incansável contra todos os obstáculos que possam surgir.

Daí que a profissão de médico seja incompatível com a prática da eutanásia. Como poderão continuar a ser considerados defensores e promotores da vida aqueles que, de forma tão literal, assumem o papel principal num ato voluntário que visa pôr-lhe termo? Praticar a eutanásia significa admitir indevidamente e adiantar propositadamente o fim. Significa assumir que há um momento a partir do qual deixa de haver razão pela qual lutar e a partir do qual a dignidade da vida, na qual colocávamos o fim último da nossa ação, desaparece.

É intolerável que se invista em formas de morrer, quando ainda há muito, e sempre haverá muito, a investir para melhorar as condições daqueles que vivem. Não deixemos que o medo perante a adversidade ofusque o princípio desta nobre profissão. Não optemos pelo caminho mais fácil num ato que, camuflado pelas mais modernas definições de respeito e misericórdia, nos precipita para a cegueira, a custo do reconhecimento do valor intrínseco e inegável que reveste a nossa existência como Homens.

Ser contra a eutanásia não é ser contra a felicidade ou liberdades individuais. É reconhecer, num grito corajoso, que nunca, em circunstância alguma, a vida pode ser assumida como meio para atingir um fim. Que fim seria este? Que valor se pode encontrar quando se abdica daquilo que é mais valioso?

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