Muitas vezes há coisas que estão na moda sem aí haver muito mérito. Mas, neste caso, Portugal está a ter um reconhecimento em várias áreas para além do turismo devido a muito esforço, investimento e trabalho de qualidade, e não por qualquer dádiva caída do céu. Tem aumentado no estrangeiro uma procura específica por produtos Made In Portugal e por cá cresce o orgulho de saber que no nosso país se produz com qualidade e, sobretudo, respeito pelas raízes culturais.

No que respeita ao mobiliário, uma das áreas a que estou ligada como sócia da empresa Fuschini, as conquistas que o país tem alcançado são resultado da qualidade das pessoas e das instituições envolvidas, bem como da existência de uma escala cosmopolita e europeia, que permite realçar as qualidades dos intervenientes e das estruturas associadas.

Trata-se de um universo de cerca de 8.700 empresas e de uma indústria que está muito concentrada a nível regional, sobretudo em torno dos concelhos de Paços de Ferreira e Paredes. Nesta regiões encontram-se muitos trabalhadores qualificados necessários ao desenvolvimento desta indústria, que hoje emprega mais de 56.000 pessoas.

Do total de empresas do setor, apenas cerca de 200 faturam mais de 5 milhões de euros. Cerca de 4.000 faturam em média menos de 100.000 euros por ano, o que significa que esta indústria é composta maioritariamente por micros e pequenas empresas.

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Este setor é um claro caso de estudo e de sucesso em Portugal. Apesar das sucessivas crises, esta indústria foi uma das que melhor reagiu à pandemia. Tendo crescido em faturação para cerca de 1.000 milhões de euros entre 2011 e 2019, em 2021, em plena pandemia, alcançou um volume de negócios histórico, superando o recorde alcançado em 2019 por mais de 1.600 milhões de euros, atingindo assim os 2.600 milhões de euros, segundo o presidente da AIMMP (Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal), Vítor Poças.

Esta indústria tem vindo a apresentar um crescimento contínuo a todos os níveis, nomeadamente na forma como se tem posicionado como um dos sectores exportadores nacionais mais dinâmicos e importantes, contribuindo com cerca de 1.900 milhões de euros. Para estes resultados, o sector teve de enfrentar um processo de reestruturação muito profundo, apostando no valor acrescentado do produto, no design e na inovação, nos recursos humanos, na customização, no conhecimento e nos meios para promover a internacionalização, por forma sobreviver à crise e adaptar-se aos novos tempos e às novas exigências do mercado.

Uma das principais preocupações atuais (também visível noutros sectores como a construção ou a cerâmica), é a falta de mão de obra. O estigma de se ser carpinteiro, marceneiro, serralheiro ou outras profissões “manuais” é demasiado forte na sociedade em geral e sobretudo nos jovens desta geração.

Hoje em dia prefere-se fazer uma licenciatura, muitas vezes em áreas sem grandes perspetivas de emprego futuro, do que apostar numa arte destas e ter emprego garantido, com uma boa remuneração. No final de 2021 um responsável do setor, Gualter Morgado, da Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins (APIMA), queixava-se de que não encontrava estofadores, a quem estava disposto a pagar 2.000 euros líquidos por mês. Atualmente, existem cerca de 5.000 vagas no sector do mobiliário e não aparece ninguém para as ocupar. Como poderemos continuar a vender produtos Made In Portugal sem pessoas para o fazer?

Enquanto sociedade, precisamos de começar a olhar com outros olhos para as formações técnicas e de as valorizar, porque são artes de que vamos precisar sempre, ligadas a serviços que vão continuar a apresentar uma grande escalada de preços.

Neste sentido, muitos esforços têm sido feitos, não só para combater esta problemática como também para conseguir continuar a levar o nome de Portugal além fronteiras. Enumeram-se de seguida algumas destas medidas:

  1. Melhorar a imagem e atratividade do sector. Embora este seja um sector altamente desenvolvido, com tecnologia e infra-estruturas acima da média europeia, Portugal possui ainda um grande défice na área de marketing. O reforço desta componente é também uma  forma de atrair talentos e de subir nos domínios do bem estar social;
  2. Desenvolver o design para a sustentabilidade, com o aumento das matérias primas com origem na economia circular, com o aumento da utilização de produtos reciclados e consequente redução de produtos de origem natural;
  3. Melhorar o layout das fábricas e usar tecnologia 4.0 (conceito apresentado pelo governo alemão na Feira de Hannover, em 2011), como forma de criar smart factories, unidades fabris mais inteligentes, automatizadas e digitalizadas, flexíveis, dinâmicas, ágeis e autónomas mas trabalhando em comunidades digitais, por forma a aumentar a produtividade e facilitar a procura de talentos para o sector.
  4. Apostar no mobiliário inteligente, com foco na customização e na antecipação das necessidades dos clientes, criando soluções inovadoras e uma evolução dos processos de produção (como a injeção de polímeros).
  5. Promover a formação profissional, de forma a resolver o défice de mão de obra existente e alcançar patamares de excelência e especialização dos colaboradores. A mão de obra com qualidade nestas artes está a perder-se por razões geracionais.
  6. Contribuir para o desenvolvimento e sustentabilidade da floresta portuguesa, o que implica trabalhar na interseção de três eixos fundamentais: a proteção ambiental, a equidade social e a viabilidade económica.
  7. Promover o aumento da pegada digital das empresas e produtos do setor, como forma de incrementar a internacionalização e o acesso a mercados de maior poder de compra.
  8. Promover a internacionalização através de presenças internacionais permanentes em feiras e ventos do setor, com a promoção da inovação, tecnologia, design e sustentabilidade da indústria portuguesa.

É visível o esforço que tem sido feito pelas empresas e pelo cluster deste sector que, para além da tradição, mostra uma capacidade produtiva e know-how relevantes, num mundo cada vez mais acelerado.

Mas só tornando a indústria mais eficiente, digitalizada, dinâmica e atrativa, continuando a apostar na excelência, na qualidade, na inovação e no design e formando e capacitando pessoas de várias gerações, é que se pode garantir que o trabalho manual não se esgota e que as marcas nacionais vão continuar a afirmar-se no mercado mundial.

Sara Oom Sousa é arquitecta no atelier VLMA. Em 2010, juntamente com cinco amigos, fundou a Just a Change, uma associação que combate a pobreza habitacional em Portugal através do voluntariado jovem. É também co-fundadora da marca de mobiliário portuguesa Fuschini e da Solo Ceramic (uma marca de cerâmica feita à mão). Juntou-se aos Global Shapers Lisbon Hub no final de 2019.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.