A habitação está na ordem do dia. Comprar casa está caro, as rendas estão altas, há muita procura e pouca oferta. Os preços das casas aumentaram 12,6% em 2022, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o maior aumento dos últimos 30 anos.

Este problema está longe de ser de âmbito nacional. O Financial Times publicou uma série que demonstra com exemplos concretos a dimensão do problema. Em quase toda a Europa, os preços das casas e das rendas estão a aumentar muito acima do crescimento dos rendimentos das pessoas. Como podemos resolver esta subida dos preços da habitação e arrendamento? A resposta é simples: aumentando a oferta. É preciso que mais casas cheguem ao mercado. As casas disponíveis são claramente insuficientes.

Segundo o INE, nos últimos quatro anos foram transacionadas cerca de 590.000 casas em Portugal, mas concluídas apenas 63.000. Ou seja, para cada casa nova que surge no mercado, temos procura para comprar nove. Tem havido pouca construção de habitação nova e as que existem necessitam muitas vezes de obras de reabilitação.

Existem muitas ideias falsas sobre as causas da escassez de habitação em Portugal:

  1. O Alojamento Local. Ao contrário do que este governo pensa, não é o alojamento local, praticado por privados, a causa da escassez habitacional. Lisboa tem apenas cerca de 6% do seu parque habitacional alocado a esta atividade, responsável pela recuperação de milhares de edifícios que estavam devolutos e fora do mercado. Destruir este sector não solucionará o problema.
  2. Os estrangeiros. nos últimos 4 anos, apenas 6% das casas vendidas foram compradas por estrangeiros (dados INE), o que significa que são os portugueses quem faz o nosso mercado, gerando 94% das vendas.
  3. Os investidores especulativos. 86% das casas transaccionadas foram compradas por famílias, desconstruindo também assim a teoria de que são os investidores com ambições especulativas que estão a comprar casas em Portugal e a inflacionar os preços.
  4. Os preços altos das novas habitações. 83% das casas vendidas são usadas. Isso significa que temos um mercado dominado pelas vendas entre particulares, com rotatividade circular de produto, sendo os preços, em crescimento, fixados mais pelos particulares do que por grandes investidores e promotores imobiliários.

Uma série de falácias tem unido, nas críticas ao programa Mais Habitação (que de mais só tem o nome), proprietários e inquilinos, o alojamento local, o setor hoteleiro, as autarquias e os diferentes agentes económicos.

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Quando falamos em aumentar a oferta, temos de referir o maior entrave existente: uma máquina complexa que atrasa todo o processo e que nunca assume qualquer culpa – a Câmara Municipal de Lisboa (CML). Já há muito tempo se alerta e se exigem mudanças, mas os resultados tardam em aparecer. A complexidade necessária nos processos de licenciamento, a morosidade decorrente dos pareceres necessários, a ambiguidade dos regulamentos municipais, os procedimentos obsoletos e de difícil validação humana, bem como a complexidade da legislação traduzem-se em grandes atrasos que afetam significativamente os tempos de aprovação e execução das obras, até porque os prazos estabelecidos nas diferentes fases do pedido de licenciamento não são cumpridos pelas Autarquias.

Quando, no final de um processo kafkiano que frequentemente demora anos, o promotor tem o seu projeto aprovado, já os custos de construção subiram significativamente, pondo muitas vezes em causa a viabilidade financeira do projeto.

Para licenciar um projecto é necessário respeitar as mais de 2200 leis incluídas num diploma que data de 1951, e que obriga, por exemplo, à existência em todas as habitações de uma casa de banho com banheira e bidé. Uma regra que não só condiciona a planta da casa como está bastante desatualizada aos tempos que vivemos, onde se privilegia um chuveiro com uma base de duche, até por questões ambientais.

Como alguém dizia, somos um país pobre que vive com regulamentos de países ricos, com centenas de exigências.

De acordo com a lei, os prazos para licenciamento nas Autarquias são, em média, de 60 dias, mas estão a demorar entre seis meses a quatro anos, consoante as câmaras. Segundo a Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários, na câmara de Lisboa estão a demorar três anos e numa câmara do interior demoram entre seis meses a um ano. Temos 308 municípios no país e cada um deles tem a sua plataforma própria de licenciamento.

E ainda temos o problema da eficiência da própria máquina. Ainda que pudesse haver uma redução da burocracia, existe uma cultura de medo dentro da máquina do Estado. Ninguém quer tomar decisões, passam sempre a decisão para cima, para outro departamento, para outra secção, a aguardar mais não sei quantos pareceres. Daqui resulta um emaranhado tal que muitas pessoas desistem.

No passado a dificuldade de acesso ao crédito à habitação foi um problema com que muitos portugueses se deparavam, mas hoje em dia, com a concorrência no mercado bancário, este já não é um fator determinante no acesso à habitação e na falta de habitações existente.Uma política de habitação deve estar alicerçada na confiança e em regras simples e estáveis. É precisamente isto que não existe em Portugal. Não são os privados que atrasam os processos de licenciamento ou de construção, limitando o número de casas. É o Estado que, não respeitando prazos e com uma burocracia infinita, tem destruído a confiança no mercado e não permite que existam mais habitações. Com regulamentos municipais mais simples e mais adequados aos tempos atuais, com incentivos adequados à reabilitação e com mais licenciamentos aprovados, teríamos um maior equilíbrio entre a procura e a oferta, daqui resultando mais casas, mais concorrência, preços mais baixos e menores rendas.

Sara Oom Sousa, 32 anos, é arquitecta e co-fundadora da marca de mobiliário portuguesa Fuschini. Em 2010, juntamente com cinco amigos, fundou a Just a Change, uma associação que combate a pobreza habitacional em Portugal através do voluntariado jovem. É também co-fundadora da Solo Ceramic (uma marca de cerâmica feita à mão). Juntou-se aos Global Shapers Lisbon Hub no final de 2019.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.