Durante a pandemia, muitas pessoas adotaram hobbies criativos para se manterem ocupadas e distraídas das notícias que invadiam os nossos ecrãs 24 horas por dia.

Mas terá sido apenas um acaso tantas pessoas escolherem as artes como uma saída para aliviar o stress? Definitivamente não. Diversos estudos demonstram que criar arte é uma maneira eficaz de reduzir o stress, aumentar o foco e melhorar a auto-estima.

Pensemos em algo criativo que gostamos de fazer. Talvez a dança, a pintura, a escrita, o teatro ou a música. Como é que nos sentimos quando criamos arte? Alguns responderão certamente calmos, outros focados, inspirados, ou felizes. Seja qual for a situação, criar arte no quotidiano proporciona uma distração relaxante. As preocupações são deixadas de lado quando confiamos nos nossos instintos e nos concentramos nos detalhes do que estamos a criar. Einstein referia-se à criatividade como “a inteligência a divertir-se”.

Outro dos benefícios é que a arte não só estimula o pensamento criativo e a imaginação como também melhora a nossa capacidade de resolução de problemas. Como não há respostas erradas na arte, as pessoas são encorajadas a pensar coisas novas e a imaginar a sua própria solução. Esse tipo de pensamento flexível e de ligação de ideias estimula o nosso cérebro e prepara-o para desafios mais complexos.

Criar arte aumenta também a autoestima e proporciona uma sensação de realização, quer em adultos, quer nas crianças.

O envolvimento em atividades criativas reduz os níveis de cortisol, uma hormona que é libertada em resposta ao stress. Pessoas que sofrem de trauma emocional ou perturbação de stress pós-traumático são encorajadas a usar a arte para libertar emoções, expressar dor e reduzir o stress. Outros estudos revelam que criar arte também aumenta os níveis de dopamina. Às vezes chamada de “hormona da felicidade”, a dopamina é uma substância química que é libertada quando experimentamos algo prazeroso. Altos níveis de dopamina podem ajudar a aliviar os sintomas de ansiedade e depressão.

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Para além de tudo isto, existe ainda o impacto social da arte. Independentemente de estarmos a criar arte com um grupo de pessoas ou apenas a partilhar com outros o trabalho que criamos, a arte facilita as conexões sociais. Um estudo sobre a solidão no Reino Unido revelou que muitas pessoas (82% dos participantes) percebiam que o seu envolvimento com as artes estava ligado a sentimentos de conexão social, o que permitia reduzir a solidão. A arte oferece ainda oportunidades para conhecer novas pessoas que partilham os mesmos interesses e é muitas vezes uma ótima forma de aprender com os outros.

A relação entre criatividade e saúde mental é um tema muito estudado nas últimas décadas, incentivado pela mudança de paradigma trazida pela Psicologia Positiva, que se foca na valorização de tudo aquilo que contribui para a felicidade dos indivíduos.

Um destes estudos, com foco específico na Região Europeia da OMS, evidencia o papel das artes na melhoria da saúde e do bem-estar das populações. No geral, os resultados demonstraram que as artes podem potencialmente impactar não só a saúde mental mas também a saúde física. Os resultados foram agrupados em dois grandes temas: o primeiro na prevenção e promoção, e o segundo na gestão e tratamento.

Dentro da prevenção e promoção, os resultados mostraram como as artes podem:

  • afetar os determinantes sociais da saúde;
  • apoiar o desenvolvimento infantil:
  • encorajar comportamentos que promovam a saúde;
  • ajudar a prevenir problemas de saúde;
  • apoiar os cuidadores.

No âmbito da gestão e tratamento, os resultados revelam como as artes podem:

  • ajudar pessoas com doenças mentais;
  • apoiar as intervenções de suporte a pessoas com condições agudas;
  • ajudar a cuidar de pessoas com perturbações neurológicas e atrasos cognitivos;
  • auxiliar na gestão de doenças não transmissíveis;
  • apoiar os cuidados de fim de vida.

Todos nós podemos ser criativos na forma como vivemos o nosso dia a dia, desde o momento em que acordamos até ao momento em que nos deitamos. Não precisamos de preparar uma refeição digna de estrelas Michelin, escrever o próximo grande romance ou criar uma peça de arte pronta para um museu. Usar as mãos, não tendo medo de fracassar, para criar algo e gostar de fazê-lo, é tudo o que precisamos para experimentar os benefícios da arte para a saúde mental.

Porque no final, como dizia Bertold Brecht, “todas as artes contribuem para a maior de todas as artes, a arte de viver”.

Sara Oom Sousa, 31 anos, é arquitecta no atelier VLMA. Em 2010, juntamente com cinco amigos, fundou a Just a Change, uma associação que combate a pobreza habitacional em Portugal através do voluntariado jovem. É também co-fundadora da marca de mobiliário portuguesa Fuschini e da Solo Ceramic (uma marca de cerâmica feita à mão). É a atual Curadora dos Global Shapers do Fórum Económico Mundial em Lisboa.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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