Os jovens de hoje em dia estão a crescer num mundo atormentado por crises. Ainda antes da pandemia COVID-19 devastar vidas e meios de subsistência em todo o mundo, os sistemas socioeconómicos existentes colocaram em risco a subsistência do planeta e criaram grandes obstáculos para vidas saudáveis, felizes e plenas de muitos.

A prosperidade que possibilitou o progresso global e a democracia após a Segunda Guerra Mundial está agora a criar discórdia social, alterações climáticas e desigualdade, com um aumento da disparidade de riqueza geracional e endividamento dos jovens. Para os millennials (ou geração Y, jovens que nasceram entre 1980 e meados da década de 90 e que testemunharam grandes avanços tecnológicos e prosperidade económica) a crise financeira de 2008 resultou num desemprego significativo, enorme dívida de estudantes e falta de empregos com propósito. Agora, para a geração Z (jovens nascidos entre meados da década de 90 e 2010) a COVID-19 causou o encerramento de escolas, agravamento do desemprego e protestos em massa.

Nas últimas gerações, os filhos sistematicamente conseguiam ter uma vida melhor que a dos seus pais, mas essa regra foi agora quebrada e os jovens têm razão em estar profundamente preocupados e zangados, vendo as novas dificuldades e desafios como uma traição ao seu futuro. Mas apesar de serem o grupo demográfico mais afetado pelas crescentes crises socioeconómicas, políticas e ambientais que afectam o mundo, são também eles que conseguem ter as ideias mais inovadores e a energia necessária para construir uma sociedade melhor, estando na melhor posição para liderar a transição para um mundo mais justo.

Dar voz aos jovens. Foi esta a premissa do professor, fundador e presidente executivo do Fórum Económico Mundial, Klaus Schwab, quando em 2011 fundou a comunidade dos Global Shapers. Ao início, era uma ideia simples: dar aos jovens com menos de 30 anos um lugar à mesa nas discussões do Fórum Económico Mundial e capacitá-los a desempenhar um papel ativo na definição de agendas locais, regionais e globais.

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Em dez anos, esta comunidade tornou-se uma força fantástica de mudança no mundo. Presentes em 150 países e 450 cidades, esta rede conta atualmente com cerca de 14 000 Shapers. Estes jovens organizam-se localmente para criar projetos que atendam às necessidades da sua comunidade. As suas iniciativas são abrangentes, desde a resposta a desastres naturais à luta contra a pobreza, passando pelo combate às alterações climáticas e à construção de comunidades inclusivas.

Uma das mais recentes iniciativas desenvolvidas por esta comunidade dos Global Shapers chama-se Davos Lab – Youth Recovery Plan, com uma abordagem multissetorial que procura entender melhor as mudanças de visão e expectativas da próxima geração na sociedade, governo e negócios.

Trabalhando em conjunto durante três meses, os Global Shapers organizaram diálogos e questionários no mundo inteiro sobre as questões mais urgentes enfrentadas pela sociedade. Realizado em 187 países, os diálogos alcançaram um público de mais de dois milhões de pessoas. Através desses diálogos e questionários, os jovens partilharam as suas visões, ideias e medos, que são resumidos neste relatório como um conjunto de sugestões ​​e recomendações para os principais decisores.

Um dos temas unificadores das discussões foi a falta de confiança dos jovens nos sistemas político, económico e social existentes. Eles não entendem os poucos progressos no combate à corrupção, as razões para mantermos uma liderança política envelhecida e ultrapassada, nem a ameaça constante à segurança física causada pelas forças policiais contra ativistas e pessoas de cor. Na verdade, parece haver mais jovens a acreditar numa governação por sistemas de inteligência artificial do que pelos atuais governantes.

Enfrentando um mercado de trabalho frágil e sistemas de segurança social quase falidos, quase metade dos entrevistados referiu não sentir que tenha capacidades adequadas para os trabalhos atuais e futuros, e quase um quarto disse que correria o risco de se endividar se enfrentasse uma despesa médica inesperada. O facto de metade da população global permanecer sem acesso à Internet apresenta obstáculos adicionais. Ondas de isolamento devido à Covid-19 e o stress em encontrar trabalho ou retornar ao local de trabalho escalaram a crise existencial e muitas vezes silenciosa de saúde mental.

Então, o que a geração Y e a geração Z fariam de forma diferente se estivessem no comando? Foi esta a questão colocada por Klaus Schwab como ponto de partida para os debates.

De imediato, os jovens pediram à comunidade internacional para salvaguardar a equidade da vacina para responder à COVID-19 e prevenir futuras crises de saúde.

Propuseram um imposto global sobre a riqueza para ajudar a financiar redes de segurança mais resilientes e administrar o aumento alarmante da desigualdade de riqueza.

Pediram também maiores investimentos para programas que ajudem jovens com vozes progressistas a entrar no governo e a influenciarem novas políticas.

Para limitar o aquecimento global, os jovens exigiram a suspensão da exploração, desenvolvimento e financiamento de carvão, petróleo e gás, solicitando às empresas que substituam quaisquer diretores corporativos que não estejam dispostos a fazer a transição para fontes de energia mais limpas.

Os jovens defendem uma internet aberta e um plano de acesso digital de 2 trilhões de dólares para colocar o mundo online e evitar a desconexão da internet, apresentando novas maneiras de minimizar a disseminação de desinformação e combater as perigosas visões extremistas. Paralelamente, estão a falar sobre saúde mental e a pedir investimentos para prevenir e combater o estigma associado a ela.

O futuro está nas mãos dos jovens e estes não podem deixar que as atuais crises os sufoquem. Há que permanecer optimistas e agir em conformidade e com grande determinação. Os jovens de hoje serão os líderes de amanhã e é essencial que a geração Babyboomers (nascidos entre 1945 e 1964) e Geração X (nascidos entre 1965 e 1980), atualmente na liderança, possam ouvir os jovens e agir de acordo com as suas percepções e preocupações, pois também estes querem sobreviver e prosperar.

Iniciativas como esta são uma prova de que apenas trabalhando em conjunto será possível construir uma sociedade mais resiliente, inclusiva e sustentável, precisamente aquela que precisamos no mundo pós COVID-19.

Sara Oom Sousa é arquitecta no atelier VLMA. Em 2010, juntamente com cinco amigos, fundou a Just a Change, uma associação que combate a pobreza habitacional em Portugal através do voluntariado jovem. É também co-fundadora da marca de mobiliário portuguesa Fuschini e da Solo Ceramic (uma marca de cerâmica feita à mão). Juntou-se aos Global Shapers Lisbon Hub no final de 2019.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.