Nas próximas semanas, dezenas de milhares de alunos portugueses terminam o 12º ano e preparam-se para escalar a maior montanha que já viram: a faculdade. Será um caminho assim tão óbvio?

Ok, vou abrir já o jogo para não me chamarem tendencioso. O meu nome é Pedro, sou o mais velho de seis irmãos e tenho meia licenciatura em Direito. A outra metade ficou por fazer e é esse o tema da nossa conversa de hoje.

Desde que entrei para a escola que toda a gente já previa qual seria o desfecho: tirar um curso. A nossa sociedade já pavimentou uma boa parte da estrada da nossa vida, que parece estar feita de maneira a que algumas das saídas não sejam nada óbvias.

Todo o sistema de ensino é um processo prolongado de entrada na universidade. Tão rápido como natural, depressa nos é tirada a bola de futebol das mãos, apenas para ser substituída por uma lista de médias das faculdades. No fim desta cadência, surge a grande pergunta:

“Para que curso vou?”

É uma pergunta quase inevitável e nela reside o primeiro grande erro, erro esse que só percebi que o tinha feito 2 anos depois. Qual é o erro? Pôr a carroça à frente dos bois, como diz o bom português. Antes de escolher o curso, faz todo o sentido colocar uma questão que raramente é colocada: “faz sentido tirar um curso?”

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Esta pergunta talvez tenha uma resposta óbvia para a maioria das pessoas, mas não para todas. A faculdade é uma ferramenta ótima, mas tem de ser vista como tal.

— “Passa-me aí esse pincel para eu pregar este prego.” (disse ninguém, nunca, porque é parvo)

As ferramentas só são úteis se forem usadas para o fim para o qual foram concebidas. E é este o ponto mais importante do nosso tema. Se eu quero ser médico, a título de exemplo, tirar o curso de medicina não só é a ferramenta mais útil como é a única que me vai permitir exercer. Se é o teu caso, força. Vai, absorve o máximo que conseguires e faz por ser o melhor.

Mas… e se eu quiser ser outra coisa? E se não me enquadro bem em nenhum dos cursos? E se não encontro na faculdade a ferramenta que preciso? Foi o meu caso, e foi por isso que deixei meia licenciatura por fazer. Porque, quando parei para pensar, não encontrei um sentido para continuar. Estava a fazer “só porque sim” e não faz sentido fazer seja o que for “só porque sim”.

Se pensarmos bem, a maior parte das coisas que fazemos por intuição, sem grande escrutínio, têm um sentido. Alimentamo-nos porque é uma necessidade fisiológica. Vamos a um concerto porque gostamos de determinada banda e nos vamos divertir. Saímos para jantar com um amigo porque a conversa vai ser boa e ainda damos umas gargalhadas.

Porque é que a ida para a faculdade há-de fugir à regra?

Steve Jobs, fundador da Apple, dizia: “Todas as manhãs olhava para o espelho e perguntava: se hoje fosse o último dia da minha vida, faria aquilo que estou prestes a fazer hoje?” E sempre que a resposta era “não” durante demasiados dias consecutivos, sabia que tinha de mudar alguma coisa.”

É difícil seguir à risca, mas este excerto mostra a necessidade de ter um sentido para fazer o que fazemos. Apesar das incertezas, muitos jovens acabam por ir para a faculdade sem certezas ou sentido, por vezes empurrados pela pressão e muitas vezes para cursos que acabam por não gostar.  “É que ter um curso é sempre uma segurança”, oiço muito.

Ora vamos lá desmontar esse argumento:

  1. Não existia um sistema de ensino superior público antes do século XIX, foi inventado para satisfazer as necessidades da industrialização. Ou seja, as pessoas iam para a faculdade para que pudessem ir trabalhar para setores mais desenvolvidos, que requeriam conhecimentos mais aprofundados (maioritariamente técnicos) e assim contribuir para o crescimento da indústria. Nessa altura, e até há umas décadas, ter uma licenciatura era quase sinónimo de emprego. Mas estamos em 2018 e o panorama já é muito diferente: um em cada dez licenciados está desempregado, o que dá, sensivelmente, 85 mil pessoas com um diploma na mão e sem emprego. A licenciatura e o emprego deixaram de ter uma relação causa-efeito há já algum tempo. Segurança?
  2. Vamos supor que entras em determinado curso, percebes que não gostas, mas acabas por ir ficando. Para teres boas notas é preciso força de vontade, que dificilmente tens se não encontrares um significado para tanto estudo. Naturalmente, os teus colegas vão ter mais motivação para aprender e estudar, o que pode levar a que tenham melhores notas e que, mais importante, fiquem melhor capacitados. A competitividade é tão acentuada que já não basta seres bom, tens de te destacar e, em alguns casos, ser um dos melhores.

Os anos passam e estás licenciado. Depois de alguma procura, lá encontras um trabalho na tua área, talvez não na empresa que querias, porque acabaste por ter pior média que os teus colegas. Dás por ti e tens num trabalho que não te diz assim tanto, numa empresa que talvez não tenha sido uma das primeiras opções, a fazer uma coisa que, se calhar, não te deixa feliz e realizado. Ainda achas que é uma segurança?

É apenas um exemplo, hipotético, e confesso que um pouco exagerado. Mas esta ideia é tão importante que não pode ser abordada com “paninhos quentes”.

“Então a solução é desistir da faculdade e ser um empreendedor de sucesso multimilionário?” Calma Ronaldo, nem todos são o melhor do mundo!

De facto, muitos dos grandes fenómenos do mundo empresarial deixaram a faculdade a meio. Bill Gates (Microsoft), Steve Jobs (Apple), Mark Zuckerberg (Facebook) ou Amancio Ortega (Zara) são alguns exemplos. Mas a balança tem dois lados. Também há muitos fenómenos que acabaram o curso, e muitos em universidades de renome, como Warren Buffett (Berkshire Hathaway), Larry Page (Google), Jeff Bezos (Amazon) ou Elon Musk (Tesla).

Aliás, apenas 10,9% dos empresários na lista de bilionários da Forbes não concluíram a universidade, sendo que 44,8% até frequentaram universidades consideradas de elite (estudo completo).

Deixar a faculdade a meio, ou não a fazer de todo, e acabar uma licenciatura não são causas que acionem nenhum efeito imediato. É importante formular um bom juízo antes de tomar uma decisão tão relevante como esta, escolher a ferramenta certa e, principalmente, fazer as coisas com um sentido. Não deixes que seja outra pessoa, que não tu, a escolher por ti. Seja qual for a tua decisão, faz com que valha a pena, toma-a com os olhos postos no futuro e nunca deixes de aprender.

Pedro Líbano Monteiro tem 23 anos e é fundador da Musicasa, da Beat Balls, do Balão e do Cowork Campolide. Juntou-se aos Global Shapers em 2018.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes. Irão partilhar a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers.