Portugal está numa situação política muito curiosa, misturando solidez com fragilidade. Por um lado, somos o país da Europa com maior estabilidade governativa. O primeiro-ministro António Costa, no cargo há quase 2700 dias, tem já o segundo maior mandato desta Terceira República, apenas superado pelos 3644 dias de Cavaco Silva.
Isso é tanto mais notável porquanto o nosso sistema político está pensado para não gerar executivos estáveis. Em 22 governos constitucionais só seis terminaram o mandato, incluindo as três maiorias de partido único, duas de Cavaco Silva e uma de José Sócrates. A conclusão tem de ser que vivemos um momento histórico, a quarta vez em 50 anos com uma orientação coerente e duradoura. Além disso, institucionalmente tudo funciona bem, com o Estado a devorar a maior injeção de fundos europeus de sempre.
Apesar disso, porém, a situação política parece muito precária. No primeiro ano do Governo saíram 14 membros em desgraça. Os casos mediáticos graves multiplicam-se e a contestação sobe nas ruas. A oposição mal precisa de se esforçar, com a atualidade dominada por erros infantis cometidos por governantes que deviam ser experientes. Nunca António Costa pareceu tão frágil como neste momento de poder absoluto. Invocar a dificuldade da conjuntura não colhe num Governo que há três anos enfrentou a maior catástrofe do século, e conseguiu depois disso uma vitória eleitoral retumbante.
O pior da legislatura é precisamente a falta da tal orientação coerente e duradoura. António Costa é um genial tático. Depois de perder as eleições de 4 de outubro de 2015, conseguiu arquitetar um apoio da extrema-esquerda, deste modo tomando o poder e revolucionando para sempre o quadro político nacional. Durante seis anos governou serenamente em minoria, enfrentando enormes problemas, dos fogos florestais ao vírus assassino, sempre equilibrando os parceiros radicais. Essa habilidade foi recompensada na vitória de 30 de janeiro de 2022.
Este grande manobrador tem-se mostrado incapaz de governar em maioria, onde os seus principais dotes são desnecessários. O que ele sabe bem é equilibrar, negociar, deslumbrar, apresentando medidas populares que, parecendo lidar com os problemas, satisfazem interesses instalados e granjeiam apoios; mas isso é espúrio em maioria absoluta. Com estabilidade garantida, o que se exige é um plano estratégico, que lide com velhos bloqueios nacionais, conceba reformas estruturais e relance o desenvolvimento do país. Ao fim de um ano, essa grande linha diretora nem sequer se vislumbra.
Saúde, educação, justiça e outros setores parecem envolvidos numa espiral decadente, com falhas e faltas que não se viam há décadas. Prosseguem os anúncios bombásticos sem substância. No pacote da habitação, como no plano anti-inflação, há apenas medidas avulsas, tratando sintomas sem lidar com causas profundas. A única linha estratégica é a mesma há sete anos: as famosas “contas certas”, agora ajudadas pelo surto inflacionista. Fraco propósito para quem tem poder absoluto. Hoje, finalmente com o país nas mãos, Costa continua a navegar à vista, atento às ondas e incapaz de traçar uma rota. O horizonte são dias, não anos, com o Governo contente com o que está.
Como explicar esta inanidade? A situação conforma uma aplicação direta de um velho axioma da Gestão, o “Princípio de Peter”, apresentado em 1969 pelo professor canadiano Laurence J. Peter. António Costa é vítima do seu próprio sucesso: foi promovido até ao seu nível de incompetência.